Dia de García Márquez

Cem anos de solidão

"(...) Recordando essas coisas enquanto preparavam o baú de José Arcádio, Úrsula se perguntava se não era preferível deitar de uma vez na sepultura e que jogassem terra por cima, e perguntava a Deus, sem medo, se de verdade achava que as pessoas eram feitas de ferro para suportar tantos padecimentos e mortificações; e perguntando e perguntando ia atiçando sua própria confusão, e sentia uns desejos irreprimíveis de desandar a dizer palavrões e xingamentos como se fosse um daqueles forasteiros, e desse permitir enfim um instante de rebeldia, o instante tantas vezes ansiado e tantas vezes adiado de mandar a resignação à merda , e cagar de uma vez para tudo, e arrancar do coração os infinitos montões de palavrões que tinha precisado engolir num século inteiro de conformismo.
─ Caralho! – gritou.
Amaranta, que começava a pôr a roupa no baú, pensou que ela tinha sido picada por um escorpião.
─ Onde está? – perguntou alarmada.
─ O quê?
─ O animal! – esclareceu Amaranta.
Úrsula pôs o dedo no coração.
─ Aqui – disse. (...)"

O amor nos tempos do cólera

"Metia-se debaixo dele e se apoderava dele todo para ela, encerrada dentro de si mesma, tateando com os olhos fechados em sua absoluta escuridão interior, avançado por aqui, retrocedendo, corrigindo seu rumo invisível, tentando outra via mais intensa, outra forma de andar sem naufragar no alagado de mucilagem que fluía do seu ventre, se perguntando e se respondendo a si mesma com um zumbido de varejeira em seu jargão nativo onde ficava essa alguma coisa nas trevas que só ela conhecia e ansiava só para ela, até que sucumbia sem esperar ninguém, se desbarrancava só em seu abismo com uma expressão jubilosa de vitória total que fazia tremer o mundo."

Memórias de minhas putas tristes

“Obnubilado pela evocação inclemente de Delgadina adormecida, mudei sem a menor malícia o espírito de minhas crônicas dominicais. Fosse qual fosse o assunto as escrevia para ela, nelas ria e chorava para ela, e em cada palavra se ia a minha vida.”

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