Jésus e o asteroide pequeno que todos chamam de Terra



                Jesus desceu, impávido como um caminhão de carga pesada. Foi como se alguém içasse o pobre homem, ainda pregado à cruz, do céu. A sua face era serena, aquela mesma cara de herói do mundo inteiro que deu pano para manga, ou seja, evangelhos e mais evangelhos. A cruz era de uma madeira maciça, muito bem acabada e envernizada, ao contrário do que muitos pensam, e talvez pudesse até ser de pau-brasil, mas José nenhum teria coragem de afirmar que aquele tom avermelhado não era simplesmente real sangue seco. Sua cabeça pendia para um lado (sua direita e minha esquerda) e as suas pernas, quebradas para encaixar no molde crucifixo, balançavam.
                Do alto, a não mais do que três metros do chão, seus olhos escrupulosos me encaravam calados. Não foi exatamente um fluxo de bênçãos o que se deu entre ele e mim, foi mais uma descoberta mútua. Afinal, o que é que se diz ao rei dos judeus, ao filho do criador de tudo, ao fazedor de milagres, ao fruto de uma concepção imaculada, ao homem que tem mais de meio mundo aos seus pés? Diz-se olá?, como vai?, ou talvez se diga esses pregos já vão enferrujados, dá cá a mãozinha para que eu bata um spray. E aqueles olhos meio cabisbaixos que só fitam, só fitam sem nem piscar, não saíam de mim; logo, as únicas palavras que puderam escapar da minha bocarra perplexa foram puta merda.
                A reação esperada para um homem de vida tão pública quanto Inri seria uma repreensão cruel e paternal, que enchesse as vistas dos transeuntes, contra um linguajar tão inapropriado e um tanto quanto diabólico. Mas a sua reação, e não questione as ações do santo rapaz, foi erguer um pouco a cabeça, soltar um abafado risinho rouco e uma frase imaculada, onde cada palavra foi se tornando mais nítida uma após a outra:
                - Sinto falta das putas e dos merdas, ah, para esclarecer-me, Maria Madalena e Pôncio Pilatos, onde andam estes?, ah, no céu perde-se a percepção do tempo, pode imaginar o que é parar para dar uma cagadinha e encontrar a janta fria e cheia de moscas em cima da mesa? Mas chega de falar de mim, tu já deves estar farto de jesus de cá e jesus de lá. E então, qual é o seu desejo?
                - Desejo? Do mesmo jeito que um gênio concede desejos? – eu perguntei, incrédulo e sentindo um formigamento na minha face esquerda. O que mais me encabulava era a maneira com que ele pronunciava o próprio nome, com uma ênfase exageradíssima no E, como se a palavra precisasse de um acento olvidado pelos milênios.
                - Não bem como um gênio. Eu só tento fazer jus ao meu nome e à expectativa que as pessoas têm do tão sonhado encontro com jesus. O que vai ser? Só não me venha com libertinagem, pergunte-se: o que jesus faria?
                - Mas você anda até hoje por aí numa cruz! Tudo bem: o que faria jesus?
                - Não, não: JÉSUS.
                - Tem certeza disso? Quer dizer, sem ofenças, mas todo filme ou padre que vi até hoje disse jesus.
                - Claro que tenho certeza, rapaz! Minha mãezinha, Maria, que deus a tenha (se bem que depois do divórcio...), deu-me este nome, jésus, vê como soa bem. Ah, até me lembro que isso foi uma sugestão de Gabriel, sujeito parrudo que fazia as obras de alvenaria lá em casa de minha família, muito amigo de mamãe, tinha cachos nos cabelos como estes meus. Pensou no que queres?
                - Cara, você me pegou de surpresa, pode esperar um pouquinho?
                - Não, não, tem de ser agora, tenho aula de patinação em gelo dentro de minutos!
                - Então volte na segunda.
                - Quer ver onde acaba a minha temperança e começa a minha fúria, rapaz?
                - Não, que é isso, não há motivo para animosidades, olha que admiro bastante toda essa coisa de cristandade.
                - Então peça!
                - Não sei! Mas, bem, que tal subir direto ao céu, sem morrer nem nada, que nem foi com a sua mãe.
                - Não, não, não queira isso. Segunda chance.
                - Então me garanta que, mesmo morrendo, vou para o paraíso.
                - Era mais fácil salvar os dinossauros da extinção!
                - O que quer de mim?
                - Cala-te e acorda!

3 comentários:

  1. rsrsrsrs.... o mais fácil era dizer que gostaria de não ter cartilagem de galinha na carne, ter vaga no estacionamento... essas coisas

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  2. Os posts do namorado da Raissa me entretem. Gosto disso. Acho ate que esse cara e mais cristao do que eu, pow ele so fala de Cristo. Menino, cuidado viu, vc se tornara pastor! kakaka. Serio. ``Se Deus nao existisse, nao existiriam ateus`` e o contrario do amor nao e odio mas indiferenca. Kisses

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  3. Fico muito feliz de poder te entreter, por mais que você não entenda um escarro de merda rala do que eu escrevo.
    Não sou exatamente cristão, mas admiro muito o tal do JC. Mas acho que não corro risco de ser pastor, minto maaal.

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