Luci, a menina com olhos de caleidoscópio


É um menino muito levado, meio anjo, meio alado, que não voa pelo mesmo motivo daquele sapo que não lava o pé: porque não quer. 

Manifesto primário ao pensamento do transporte público


                Estou, enfim, com dezoito anos de idade; recém-completos e muito bem vividos, como diria meu pai. E como de praxe, em tal idade, empenhei-me na formação como condutor para adquirir minha CNH (Carteira Nacional de Habilitação). Enquanto ainda novo, pensava em tal momento como algo mister, glorioso até, da dita e famigerada maioridade. Ocorre que a reflexão muda consoante o cerne envelhece, e devo dizer que, hoje, minha ânsia por dirigir se restringe a pouquíssimas e pontuais ocasiões, como viagens de estrada ou sinônimos muito próximos. Fora isso, hoje, clamo desesperado por um serviço público de transporte que atenda com dignidade, por deus!
                Devem alguns mais imediatistas e individualistas estarem me lendo atravessado neste momento. “mas como assim, eu quero é meu carro com som e ar condicionado...”. Não é que eu também não o queira, óbvio que quero, estou em acordo com vocês neste ponto; o que se me ocorre nesta reflexão é a real necessidade do carro às atividades cotidianas, como dirigir-se ao trabalho ou à faculdade.
                Para margem apreciativa do argumento, valho-me de mim mesmo para exemplificar: Hoje, tenho aproximadamente duas horas de ônibus no trajeto de volta à minha casa. Suponhamos que de carro este tempo fosse de uma hora e vinte minutos, por exemplo. São quarenta minutos a menos de percurso, o que reflete, naturalmente, no seu horário de chegada em casa e, por consequência, no seu descanso, que, eventualmente, seria maior. Mas a base argumentativa está no aproveitamento deste tempo. Enquanto estou no ônibus, volto, quase unanimemente, lendo algum livro ou conteúdo de curso. Ou seja, são duas horas que aproveito na aquisição de algum conhecimento ou na apreciação de algum entretenimento. Duas horas que acho deveras mais vantajosas que as uma hora e vinte minutos que teria de me dispor a encarar em um trânsito infernal que se mostra este da minha cidade. Uma hora e vinte de constante tensão e estresse, de semáforos e congestionamentos, de buzinas e saturação visual; uma hora e vinte que só me acrescentariam no que se refere à precoce aquisição de fios brancos na cabeça.
                Uns dirão “mas Ian, no horário que eu pego o ônibus ele está tão cheio que nem daria para eu vir lendo”. Concordo contigo, leitor; contudo, é por isso que proponho tal texto:
                Estou com ideia de, ao início deste ano que entra, conceber um grupo de estudos e formulações acerca do transporte público na nossa cidade, de modo a maximizar os benefícios e erradicar, ou, se não possível tal, minimizar os problemas que acometem  o nosso serviço público de transporte; de modo que o carro torne-se cada vez mais dispensável.
                Mas a retórica não para ai:
                Pensa consigo, leitor. A lei seca ai está, mas o grande atrativo das baladas, bares e shows, também permanece; já conjecturou sobre o quão bom seria um serviço público de transporte atrativo, para que você não incorresse no risco de uma blitz policial, ou no absurdo que é o tributo ao taxi? E quanto há taxi. Pois é, as vantagens são incontáveis.
                Há ainda outros inúmeros fatores, como o custo atrativo do transporte público vis-à-vis uma condução particular, a mínima participação em acidentes de trânsito, e até mesmo uma diminuta caminhada do ponto de ônibus ao destino absoluto; vantagem esta que pode fazer torcer os narizes de alguns, mas pensa consigo nas vantagens salutares de tal proposição ao corpo.

Das considerações a este ano que finda


                Mais um ano termina dentro de poucos dias. Passou, como neste momento tendemos a achar quase unanimemente, como um fiat. Nos já habituais, e monótonos, raiares e pores do Sol se sucederam diversos eventos significantes ou o antônimo direto, memoráveis e também não, dispares no que se refere à nossa vida, ou também tão pequenos que não foram lembrados nem mesmo na meia hora que os sucedeu de fato.
                Continuamos aqui; cegos em grande medida, consumidores convictos, cheios de razão e de certezas, cheios de razões. Ainda aqui resistimos, cheios de vontades e anseios, alguns mais homéricos, outros dantescos, maquiavélicos, dionisíacos, quixotescos... mas a grande maioria, podemos dizer, não passa de um meio balde de quereres tão absurdos ou fúteis que “estúpidos” seria um adjetivo deveras eufêmico para caracterizá-los. Mas que somos nós, senão estúpidos em parte quase absoluta da existência?
                Não há muito que dizer; resignados permanecemos; damos sequência a esta tragicômica sucessão de atropelos, desventuras, eventos. O mundo ainda enfrenta crises financeiras, todos sonham ter dinheiro suficiente para comprar e comprar e comprar e Comprar; o mundo ainda sofre com a fome, ainda temos tanto e sabemos fazer tão pouco disso; ainda impera o egoísmo e os desejos singulares; ainda se morre e se mata pelos motivos mais banais dos quais se pode obter relato. Ouso dizer que escrevo, neste texto, sentenças que você, leitor, pode ler em qualquer um dos dez anos que precederam e nos dez que virão depois deste, e certamente lho acharão atualíssimo.
                Mas que mais há para se dizer, muito pouco, se é que há, mas deste pouco não falo mais, não me apetece, e estou também certo da capacidade do leitor de discernir o epílogo.
                Dedico as linhas restantes ao “Eu”.
                Este ano, posso dizer, foi bom para mim.
                Entrei na Universidade, curso o curso que me apetece, estou desenvolvendo uma pesquisa científica, e melhor: remunerada.
                Engajei-me em namoro com uma mulher que amo, respeito e que fez de mim uma pessoa melhor e, certamente, mais feliz.
                Passei a usar chapéus, comecei a beber cerveja e estou em vias de tirar minha habilitação de condutor.
                Permaneço de opinião política de esquerda, e entenda isso da maneira que quiser, dada a abstração do termo nas atuais discussões políticas.
                Permaneço inquieto, necessitado de resultados que não sei se virão, mas que fique o caminho andado, vejamos o que se há de suceder.
                Permaneço escritor deste blog, que sobrevive ainda, muito mais e ainda além do que pensei que sobreviveria. Enquanto pudermos; falo, ao menos, por mim; estaremos aqui.

Tira uma foto de mim



Tudo que sobrou de você foi uma foto entre as coisas perdidas na escuridão da gaveta do criado. A gaveta geme a noite inteira, fica fosforescente, treme, chama minha atenção. Não vou, resisto, respiro e acendo um incenso pra brincar com a fumaça. A gaveta grita, contrai, cospe a foto em mim. Sinto o alívio do criado, essa foto ficou mal digerida lá dentro assim como tinha ficado em mim. E eu pergunto pro meu estômago se é ele que digere saudade, porque o paradoxo de quem sai da minha vida sem sair da minha vida é um bolo que ocupa o lugar das pessoas que eu já deveria amar, mas não dá porque estou lotado. Isto me entope sem transbordar. Só vaza o choro, mas os buracos dos olhos são muito pequenos, represo um mar. Vou ao morro onde enterrei as coisas do tempo em que coincidimos um pedaço de espaço, jogo a foto numa vala de erosão e recolho de volta, não aguento. Te vejo ali no papel, o olhar não é recíproco, mas tenho a ilusão. Viro a foto ao contrário e afinal é tudo plano, não dá pra ver suas costas do outro lado, mas imagino e te desenho. Daí eu vou fazer um chá, vou no mercado, entro no ônibus e te vejo sobreposto na figura do bule, da moça do caixa e da poltrona vermelha para idosos e grávidas. Você ficou gravado, se é eterno eu não sei, mas aproveito, te invoco. Hoje encaro a noite e percebo que as estrelas do céu são as sardas do seu rosto em negativo. Faço meu mapa astral, me descubro, transcendo. Chego a foto mais perto, mas não é o bastante. Pego a lupa, conto os pelos das sobrancelhas e desmistifico a teoria da simetria. Sobreponho lentes, fico míope, me estrago e me abasteço ao mesmo tempo. São simultâneas minha saudade e minha dor e o tanto que eu fico feliz de aumentar sua proporção pra te deixar do tamanho que é a falta que me faz.
Por fim, caminhei entre os pixels da sua bochecha e de quadrado em quadrado foi passando um degradê de cores que de repente terminou no preto da minha cegueira. 

Solitude


Ele era solitário, não gostava de humanos por perto, não que não se considerasse humano, mas achava que suportar um humano, ele mesmo, já era o bastante.
 Os humanos eram problemáticos, estavam sempre competindo por coisas sem a mínima importância, tipo, quem tem o carro maior e outras tolices. Quanto às fêmeas humanas, era sempre sobre o tamanho do salto, e as que não eram fúteis a esse ponto também tinham inúmeros defeitos, ou eram feministas demais, revolucionárias demais, “do contra” demais; será que não havia ninguém equilibrado?
 Ele imaginava que não, por isso queria ir pra longe. Decidira trabalhar muito e economizar cada centavo para comprar uma pequena propriedade próxima a qualquer vilarejo do Wyoming, com aquelas vastas planícies em que ele poderia andar sozinho, sossegado; contanto que ficasse longe dos parques não veria nenhum dos turistas imbecis que cada vez mais enchiam o estado.
Era uma pena ter que morar perto de uma cidade para comprar seus alimentos e demais artigos de que precisava para se manter vivo, agora era muito tarde para aprender a plantar e fabricar as próprias roupas...ele também não queria viver como um selvagem, queria apenas um pouco de paz, nada de chefe perguntando quando o relatório estará pronto, nem de colegas de trabalho querendo competir pelas graças do chefe babaca.
Ele não era um velho ranzinza com filhos e uma ex-mulher brigando pela pensão. Nada disso, era jovem e recém formado, e tampouco um jovem indeciso e com medo do futuro, sabia exatamente o que queria, queria poder ficar calado, refletir, se quisesse falar com alguém, teria um gato, coelho, ou outro bichinho qualquer, ele falaria e ainda não teria que ouvir respostas estúpidas... ahhh,  como sonhava com aquela paz.
E durante toda a vida foi assim, pouca tolerância, fazia todo o seu trabalho sem curtir a profissão que escolheu, pensando no seu objetivo, conversava com os colegas no bar depois do trabalho superficialmente, olhando pra eles e antevendo uma felicidade futura longe daquelas conversas, nem sabia o que acabara de dizer...ele passava pela vida apenas sonhando com o futuro que planejara.
Aos cinquenta anos já acumulara o suficiente para o tão sonhado descanso, arrumou as malas e foi...a primeira semana foi maravilhosa, ele havia comprado o gato, chamava-se Jack, a companhia perfeita, só dormia e ronronava. Conversava com Jack a respeito do que seus colegas estariam fazendo neste momento e como o que quer que fosse, deveria ser chato e maçante ou falso e cheio de risadas exageradas, não partilhavam de sua tranquilidade.
Ele não precisava falar nada, e se falasse, Jack lhe responderia com um ronronar e nada mais, ele não faria piada, não riria... enquanto seus amigos receberiam ligações das esposas no bar, lhes controlando, ele estaria bem, ninguém se lembraria dele, nem esposa, nem mesmo uma ex para reclamar que educava o filho sozinha...os poucos amigos receberam instruções para não entrarem em  contato...
Ele ficava mais desgostoso a cada dia que passava, queria uma companhia mais animada que Jack, alguém que falasse, reclamasse de alguma coisa, tomasse uma cerveja com ele, e maldissesse a vida, alguém que comentasse que ele deveria trocar de carro porque o seu já estava muito velho. Alguém que fizesse uma crítica construtiva ao seu trabalho, para que pudesse melhorar, agora nem trabalho ele tinha mais. As caminhadas na planície pareciam tão sem propósito, e refletir, ele só refletia sobre como estava entediado. Ele sentia falta de humanos à sua volta.

Ainda não aprendemos que o Brasil é laico ou democrático ou brasileiro



E ainda tem gente que quer defender a permanência do “Deus seja louvado” nas cédulas de real. Tenha a tal da “santa” paciência!

Vocês cristãos não podem mais se impor sobre nós; vocês não têm mais espadas e homens loucos pra morrer e matar por vocês. Hoje temos algo que se chama constituição e esta foi redigida sob o princípio da igualdade e da isonomia.

Você que crê no deus bíblico não tem mais direito de propagar suas ideias em coisa pública do que aquele que crê em Buda ou o outro que crê em Shiva. Por mais que vocês sejam maioria, isso não deixa de ser horrendo, isso não deixa de ser opressão das minorias.

O estado é laico e, se alguém tem dúvidas a respeito do significado da palavra, consulte um dicionário.

http://www.laicidade.org/documentacao/textos-criticos-tematicos-e-de-reflexao/aspl/

I Pet Goat

 Recomendado por meu amigo Gustavo Brito:


Deixem suas observações e interpretações nos comentários por favor... Adoraria debatê-las!

Aos que apreciam a ideia da Redução da Maioridade penal


                O que se vê em abundância no Facebook, além das frivolidades habituais, é uma espécie de clamor público por justiça. Escândalos de corrupção são toscamente abordados em pequenas fotos e textos mau escritos; algumas “denúncias” a favor de minorias, pobres em conteúdo e em efetividade prática... além de um inominável de outras coisas.
                E têm também aqueles que apoiam a redução da Maioridade Penal... E são das mais atrozes e escabrosas as fotos e textinhos postados. “Quando é que veremos isso no Brasil”, “Menor vagabundo também é culpado”, “Até quando serão impunes?”... e mais um sem fim de frases.
                E me parece sensato dizer que esta postura é, nada mais nada menos, que IMBECILIDADE das maiores. Por uma diversidade de fatores. Em primeiro lugar porque, se analisarmos o quadro social, veremos que a maioria de menores infratores vêm de realidades precárias e conturbadas; vêm de colégios onde impera a violência e o descaso público, de famílias por vezes problemáticas e desestruturadas. É claro que existem as exceções, mas onde é que, alguma vez, em uma democracia, basear legislados punitivos em casos excepcionais pareceu ser uma saída justa? Gostaria de me ver respondido.
                E alguns dirão que, não sendo os argumentos acima citados culpa deles, não são eles que devem arcar com o risco de um menor “bandido”. E digo, a culpa também é de vocês (nossa) sim. É muito fácil isentar-se da culpa de colocar, ano após ano, no poder, representantes imorais e desinteressados com a melhoria social, é muito fácil fechar-se na redoma da própria vida esperando que deus resolva os problemas da sociedade da qual você também faz parte. E alguns virão dizer, “mas também estudei em escola pública e nem por isso sou bandido”, e concordo que sim, existem esses casos; mas exigir de todos a mesma força de vontade e o mesmo empenho é descabido e não ocorre em outros casos. Ninguém  é severamente repreendido por não ser um primor na escola, ou por não gostar de ler, ou por não ser tão bom no futebol, ou por não se interessar tanto assim pelos políticos que elege, pelo contrário, muitas vezes as pessoas fazem é humor tosco disso tudo; mas todos podem acusar uma criança que sucumbiu às dificuldades do dia-a-dia, para isso todos são muito competentes.
                E há ainda a imbecilidade da ideia. As pessoas parecem não entender o funcionamento penitenciário no Brasil. As cadeias estão lotadas, são mal estruturadas e não reformam e reintegram o detento à sociedade. O que fazem é amontoar infratores; e nesse amontoar, uma certa gama deles não cumpre nem 1/3 da pena originalmente instituída. Ou seja, você pega um menor que roubou uma bolsa na esquina às dez da noite, ele, como um criminoso, é preso por roubo; Ninguém entende que este indivíduo – que ainda está em formação – que pode ter feito o que fez apenas por nada mais que burrice, é um ladrão inexperiente e despreparado, grosseiro. Mas ao ser preso, será, primeiro, privado de qualquer forma de ensino formal, e, ainda por cima, ficará em contato com bandidos da pior ordem, bandidos estes que o influenciarão e que o colocarão a par de todas as formas de refinar as ações criminosas que ele possa tencionar ter.
                Você, pessoa desinformada, que acha muito interessante a redução da maioridade penal, deveria antes se preocupar com a qualidade das cadeias, pois querendo se livrar do problema de maneira impensada, você acaba por gerar é a criação de  um delinquente melhor formado.
                Mas ninguém pensa nisso, nem na origem do problema, nem no agravamento que decisões impensadas podem vir a causar; o que querem é o martelo batendo pesado, como se isso fosse resolver alguma coisa.
                Aos que cobram redução da maioridade penal, um conselho: Cobrem melhoria no sistema de ensino, cobrem igualdade social, votem melhor; isso já lhes resolverá o problema egoísta e mais uma série de outros.


-----------------------------------------------------------
Ps: Já viram o vídeo gravado por mim e pelo Marco? - Foot Massage Scene

Pps: Estou (IAN) vendendo a coleção completa d'O Mochileiro das Galáxias, edição econômica. A série é nova e está lacrada, vendo-a por R$ 50,oo. Interessados deixem um comentário

Por que o capitalismo deu tão certo?

      Desde que o ser humano se desvinculou do Éden, ele vive tendo como propósito, buscar a Felicidade. Mas esta parece escorregadia, pois toda vez em que esta é alcançada a ambição daquele a empurra para um "lugar" que necessita um maior alcance, com uma maior dificuldade de acesso, de modo que nos colocamos numa corrida sem fim.

      Não é segredo nem mistério também que procuramos sempre facilitar as coisas e tentar percorrer os caminhos mais fáceis da vida, e um deles é escolher o "prazer" a "felicidades". Não que não haja prazer na felicidade, ou que sejam conceitos totalmente dispersos, mas o "prazer" é apenas uma lapso da Felicidade e por isto consegue existir de for mais autônoma, enquanto a Felicidade por se só é tão complexamente simples que não poderia existir sem todas suas partes (como o Prazer). Mas não irei a muito discutir a simplicidade da Felicidade. Talvez uma outra hora.

      Onde quero chegar, é que o ser humano costuma buscar os caminhos do prazer para se satisfazer e acaba por confundir tal sentimento de satisfação momentânea como felicidade, fazendo com que ache que uma vida feliz é uma que tenha prazeres cada vez mais intensos, já que os níveis de prazeres têm que serem superados.

      'Quer descobrir qual é o verdadeiro caráter de uma pessoa? Dê poder a ela.' Creio que já devem ter ouvido falar nisso; E não é para menos. O ser humano, com sua ambição e soberba, busca, durante sua jornada de vida, adquirir cada vez mais poder (a palavra-chave deste texto talvez seja Poder). O que o cerca e o motiva é nada mais que métodos para se conseguir poder. Poder para ter seus desejos realizados. Para poder fazer com que você alcance prazeres, e, como muitas das vezes, para satisfazer o 'ego'.

      E o que é o dinheiro se não uma forma de quantizar o nível de poder que você pode exercer diante a sociedade? E é por isto que é necessário dar valor as coisas. Por isto que o capitalismo deu tão certo. Pois a ambição do homem precisa ser saciada, nem que seja na mera existência da possibilidade. Não estamos prontos ainda para aceitarmos que somos todos e quais e muito menos nos tratarmos como iguais.

se a via-crucis virou circo, estou aqui


Nunca consegui dar cambalhotas.
Invejava as outras crianças que conseguiam dar cambalhotas, cresci mais e invejei as pessoas que conseguiam escrever histórias bonitas, cresci mais e invejo as pessoas que não cresceram tanto assim. Agora que não cresço, só invejo. 


Acabou-se a pilha dos lábios, ou: Os ocos ecos da minha voz


                Contemplo o meio; nada me prende a atenção, nada me desperta vontade de me esforçar. Nada parece ter sabor. Ouço uma melancólica música, sinto a mais profunda tristeza, talvez nem mesmo o jovem Werther tenha sentido igual. Mas sou incapaz de chorar, não verto uma única gota salgada de lágrima sequer. Há um gato se debatendo na minha garganta, tão violento que me faz pigarrear sangue... ele não desce, tampouco  sobe; desde certo tempo ele está aqui, nunca o vomitei, nunca o digeri... ele permanece.
                Teria de estudar agora, mas nem para isso tenho ânimo; até teria-lo, não fosse a inutilidade do ato; não é que não seja capaz de entender as complexas teorias, não é que não fosse capaz de palestrar sobre elas por uma centena de dias. Mas: Qual o sentido, qual a razão, para quê, exatamente?
                Tenho muitos do meu lado, diria que quase todos; todos me têm em alta conta, todos sorriem quando chego, todos confabulam comigo, mas nenhum me leva a sério, sou o tipo ideal que ninguém quer senão para um eventual apontamento ou comentário, para rirem dos absurdos que falo e saírem dizendo “que ideias engraçadas aquele tipo tem, não?”. Então para quê? Vontade mesmo eu tinha era de queimar tudo, atear fogo ao circo e sair andando.
                Sou o bobo da corte, a requerida comédia; bom ter-me à mesa, ouvir-me tratar dos dilemas universais e particulares, dos mais simples aos mais complexos; mas ninguém me escuta verdadeiramente, é apenas entreter... E o pior é ter de manter a pose neoliberal de tolerância a determinadas opiniões por própria falha minha de querer agradar a todos, não por ser compreensivo, mas apenas para continuar sendo bem visto. Quando sei que o correto seria vociferar a todos que deixassem a covardia e a mesquinhez para a puta velha e que, pelo amor de deus, parassem ao menos por um segundo para tentarem algo verdadeiro.
                O pior é saber que mesmo já tendo-me mostrado incontáveis vezes com a razão, de nada adianta, é senão acaso, nada mais. Não sou legitimado nem por uma fama estúpida para ter razão em algo, tão pouco por algum título, ou por alguma quantia de cédulas em minha carteira; nada além do argumento me legitima, e este, ultimamente, não tem bastado.
                Essa história não termina como a do Werther; não cesso minha vida em um acesso de tristeza indomável. Não posso dizer certamente como termine, mas pode ser que termine com o solver de alguns dos meus sonhos e aspirações; pois Tristeza: um dos maiores solventes das vontades nossas.

O que escrever?


Sozinho, com o computador à frente, tentava escrever algo decente, como nos velhos tempos em que era apenas ver a página em branco e as ideias floresciam, os contos tomavam vida própria.

A chuva leve caia lá fora e de vez em quando uma brisa fria, vinda da janela aberta, agitava-lhe os cabelos  e o fazia arrepiar . Pensou em se levantar para fechá-la, mas não valia o trabalho. “quem sabe esse som de água caindo não me inspira”, estava se agarrando a qualquer fiapo de esperança que o fizesse voltar aos velhos tempos de criatividade.

A vida andava complicada, não se sentia mais útil, não saía mais nada daquela cabeça além do cabelo desgrenhado de quem anda desistindo até mesmo dos cuidados pessoais.

Continuou a fitar a tela em branco, começou a pensar que devia trazer a cafeteira  para a mesa de trabalho, para não ficar levantando para buscar o café, e perder a concentração. Mas por outro lado, buscar o café era o único exercício físico que fazia, se é que podia ser chamado de exercício.

O celular tocou, ele olhou o número, era seu agente... não estava com paciência para falsas palavras de estímulo, especialmente com a fome que estava, e a preguiça de descer até a cozinha para fazer um sanduíche, pensou se não devia trazer  também a geladeira para o escritório...

Paul, o agente, continuava insistindo...  enviou-lhe uma mensagem de texto “paul, estou escrevendo, não atrapalhe meu momento criativo”, o celular parou de chamar e ele voltou o olhar para a tela do computador novamente.

Anoiteceu e a fome finalmente o fez se levantar para comer algo, a geladeira estava cheia de frutas e verduras, uma tentativa da família, provavelmente, de mantê-lo saudável, pelo menos fisicamente.
Após comer, chegou a cogitar a ideia de tomar um banho antes de dormir, sentiu seu próprio cheiro, não estava tão mal, adiou o banho para amanhã.

Eram nove horas quando acordou, tomou um copo de leite com café, espreguiçou-se e se sentou á mesa, ligou o computador e achou que tinha uma ideia, poderia escrever sobre um cara que não tinha a mínima ideia sobre o que escrever...



Um país rico é um país sem gente rica




O Estado está aqui para nos livrar do “estado” bárbaro e selvagem, aquele de lobos, e nos trazer para a elevação de espírito e pensamento edificador. Sim? Se não, onde reside a inverdade na afirmação anterior? O Estado é fruto e não causa de um pensamento edificador? Ele está aqui simplesmente para nos trazer um diferente estado de barbárie e selvageria, mas este segundo velado sob a bandeira da democracia?

Talvez eu não seja capaz de responder a essas perguntas, que são ardilosas e de ordem muito filosófica para o meu modesto e símio pensar. Só sei que os homens que compõem os poderes do Estado são figuras peculiares e dignas de reflexão. Os meios são corruptíveis, as possibilidades são tentadoras e transformadoras; mas os homens, estes homens que estão no poder, estes são homens assim como nós.

O que se passa quando um sujeito pobre, minimamente assalariado, iletrado, sem suporte de saúde e com meia dúzia de filhos para criar vota no latifundiário, de família tradicionalmente abastada e dono de metade das terras da sua cidade? Uma hipótese é a de que ele realmente acredita que este fazendeiro que demonstra tamanha prosperidade no sistema capitalista tenha capacidade para gerir uma cidade e ela também fazer próspera. Outra é a de que ele crê que o poder não deve se dissociar da riqueza. E uma terceira é a de que esse homem pobre vota sem ter o mínimo controle sobre aquilo que está fazendo, ou seja, não sabe como, por que e nem em quem está votando.

Já os que estão no poder têm, sim, consciência de como funciona o voto. Eles sabem os meios, não de fazer política, mas de produzir uma imagem política: são profissionais políticos. E justamente por isso se perpetuam e até deixam herdeiros. Mas, ainda assim, o interessante aqui é constatar que nem esses profissionais políticos estão no topo da “cadeia alimentar”; não tomam as decisões finais e nem têm ciência de todos os fatos.

O capital é que movimenta a alma. Dói, dilacera, mas é uma verdade que deve ser aceita antes que consuma a vista, as ligações nervosas e até as juntas dos membros.

Um movimento que parece (só parece, pois os fatos não estão à minha disposição) estar sendo aplicado contemporaneamente é o de manufaturar candidatos a eleições. Ainda mais com o advento da “ficha limpa”, deve-se agora encontrar sujeitos idôneos, imaculados. Homens com tais características não existem no mundo voraz da política. Portanto, vemos cada vez mais artistas, pessoas populares e fantasiadas ascendendo ao poder.

Um dos maiores exemplos que me salta à mente é a excelentíssima senhora Presidente do país. Quem seria ela não fosse o PT e o oportunismo continuista? Quem seria ela não fossem as cirurgias plásticas e as diversas aulas de oratória (demagogia)? Onde estaria ela se os seus opositores fossem um tanto menos ridículos – e um tanto mais manufaturados como ela?

Um país rico é um país sem gente rica.

Pausa de 6 minutos

Comemoração da "Consciência Negra": apenas mais uma forma de segregação da humanidade (racismo)


--------------------------------------------------------------------------------

Compreensão sobre o pedido de laicidade do Estado (retirada dos dizeres "Deus seja louvado" das células de Reais)
Satanistas poderiam pedir os escritos "Satã seja venerado" no seu dinheiro...

extremamente alto e incrivelmente perto




"Outra coisa boa seria se eu pudesse treinar meu ânus para falar quando eu peidasse. Se eu quisesse ser extremamente hilário, eu o treinaria para dizer 'Não fui eu!', toda vez que soltasse um peido incrivelmente forte."

"E que tal microfones pequenos? E se todo mundo os engolisse e eles tocassem o som de nossos corações em pequenos amplificadores que poderiam ficar nos bolsos de nossos macacões? Quando andasse de skate na rua, à noite, você poderia escutar os batimentos cardíacos das outras pessoas e elas poderiam escutar os seus, tipo um sonar. O estranho seria se o coração das pessoas começasse a bater ao mesmo tempo, como as mulheres que moram juntos têm seus períodos menstruais ao mesmo tempo, que é uma coisa que eu sei, mas não fazia questão nenhuma de saber. Seria muito estranho, com exceção do lugar no hospital onde os bebês nascem, que soaria como um candelabro de cristal em uma casa flutuante antes que os bebês tivessem tempo de alinhar seus batimentos. E a linha de chegada da Maratona de Nova York soaria como uma guerra."

"O fascinante é que eu li em National Geographic que há mais pessoas vivas agora do que todas as que morreram na história da humanidade. Em outras palavras, se todo mundo quisesse interpretar Hamlet ao mesmo tempo, não seria possível, pois não há caveiras suficientes!"

"Na verdade, se as limusines fossem extremamente compridas, elas não precisariam de motoristas. Você poderia simplesmente entrar no banco traseiro, caminhar pela limusine e depois descer pelo banco da frente, que ficaria onde você precisava ir. Agora que parei para pensar nisso, eles podiam fazer uma limusine incrivelmente longa que tivesse o banco traseiro na VG da sua mãe e o banco da frente no seu mausoléu, e ela seria tão comprida quanto a sua vida."


Esse livro tá complicando minha vida, cutucando meu cérebro, lá dentro. Lindo pra dedéu, assim como o filme, e além. Extremamente alto e incrivelmente perto, de Jonathan Safran Foer, traduzido pelo ilustre Daniel Galera, aquele que escreveu o Mãos de cavalo. 

Ato I Cena 3

     Ela acordou assustada, mesmo tendo sido acordada carinhosamente por seu marido. Se recuperou da fadiga causada pelo sonho não recordável e reparou que uma bandeja-de-café-da-manhã-na-cama estava a sua espera. Um "bom dia" grave, mas calmo, e acompanhado de um sorriso, fez seu tímpano vibrar.
     Houve uma resposta sonolenta misturado ao ar de um bocejo incontido, e naquele momento ela percebeu que não conseguiria agir como numa atuação duma atriz de novela, que acordam sempre bem despertas, sem remelas nos olhos, de caras limpas, maquiadas e de bexigas vazias.
     Pediu uma mal humorada licença, aparentemente repentina, deixando seu marido meio desconcertado; mas ele a compreendeu parcialmente, o suficiente para não se deixar abalar. Naquele momento ele refletiu sobre a situação e pensou que provavelmente ele também não conseguiria despertar e comer algo sem uma idinha rápida no banheiro.
     Enquanto lavava o rosto, ela sentiu uma pontada de ódio daquela bandeja(-de-café-da-manhã-na-cama), que provavelmente teria sido comprada por um preço altíssimo (já que aquilo era um item de pouquíssima utilidade para o dia-a-dia e que só servia para satisfazer desejos luxuriosos) e seria usada naquela única ocasião para, praticamente, nunca mais ser retirada do lugar em que guardariam-na, ocupando um espaço inutilmente. "Afinal, que ocasião mesmo requeria uma bandeja daquela?". Terminou o que precisava fazer no banheiro e saiu forçando um pequeno sorriso no rosto.
     — Que surpresa agradável amor. Pegou-me desprevenida. Há que devo a grande honra de um café-da-manhã na cama?
     — É nosso aniversário de namoro, sua tolinha.
     — Nossa. Esqueci completamente.
     — Tudo bem. Sou eu quem sempre esqueço mesmo. Isto é para compensar todas as vezes que eu esqueci.
     — Obrigada. Realmente não precisava. Este dia é tão seu quanto meu.
     — Eu sei. Por isto mesmo que comprei, para hoje a noite, dois ingressos para vermos aquela peça teatral que tanto queríamos.   Você vai ter que faltar o trabalho hoje por motivos de força maior..!
     — E com prazer!
        ...
     Caindo então no prazer, um nas caricias do outro, curtiram aquela manhã intensamente, se fartando, ambos, daquele café-da-manhã após ato. Só então ela reconheceu as maravilhas de ter uma bandeja de cama e teve a certeza de que não era um item para se ficar guardado juntando poeira. "Que se dane o preço que isto custou. Vai valer cada centavo!".

     Já no anfiteatro, o relógio marcava o horário de início da peça indicado no ingresso, mas como de costume, as companhias tem o terrível hábito, nada educado, de esperar mais meia hora antes de realmente entrarem ao palco, sempre com a péssima desculpa de que é para esperar mais gente chegar. Se eles não vão ser pontuais, porque sua plateia deveria? Respeito gera respeito... Além do mais, eles não ganhariam nem menos nem mais por apresentarem na hora ou depois, já que os ingressos são comprados antecipadamente.
     Todavia, tais pequenos inconvenientes nem chegaram a percepção daquele feliz casal, que para eles tudo estava perfeito. Exceto quando um sujeito, com o rosto encoberto, subiu ao palco e anunciou um assalto, mostrando que em cada porta de saída haviam mais de seus semelhantes aos pares. Isso por se só já era bastante pertubação para uma noite, porém não há situação que não possa ficar pior: Atrás da cortina um assistente de palco que está sendo abordado por um dos assaltantes derruba um candelabro, parte do cenário, na tapeçaria e começa um incêndio que avançava rapidamente e que era não contido (devido as ações limitadas que os reféns possuíam).
     A falta de reação e a indecisão dos assaltantes diante do caso, fez chegar a situação de insustentabilidade do assalto. Ou todos ficariam presos ali repassando seus pertences enquanto eram cercados pelo fogo ou o assalto acabava e todos fugiriam do lugar. Neste momento, o sujeito que estava no palco respirou fundo e disse calmamente:
     — Senhoras e senhores, obrigado por participar deste assalto mal sucedido. Por favor, levantasse e saiam em pânico e desordenadamente pelas saídas que estão atrás de vocês. Pois se algum momento da sua vida é para se deixar tomar por estes sentimentos, uma boa hora é agora. Tenham uma boa noite.
     Por medo ou por choque para com relação aos acontecimentos, como numa psicologia reversa, todos, incrivelmente, se levantaram e saíram calma e ordenadamente em fila.
     ...Até, claro, o fogo afugentar os residentes do teatro e alguém gritar "RATOOOOO" de um lado e "BARATAAAA" do outro...
     E assim o mundo reinou em caos e destruição até o cair do sono.

sou forte, sou por acaso


Teve um dia em que jogamos nossos barcos na enxurrada pensando que eles iam de bueiro em bueiro até chegar numa enseada. Nisso tinha um quê de infância que não queria ir embora nem nunca foi, nem nunca permitiu que a gente admitisse que os barcos de papel viravam a esquina e afundavam, mas nós continuamos. Então, depois que você ficou longe, comecei a reparar que os tijolos de argila bem no muro da minha casa escondiam outros muros estendidos além, tantos muros, tão além, que não restou uma cerquinha lá longe com uma placa dizendo: aqui é o resto do mundo. Só restaram as passagens de labirinto, individuais, estreitas, sufocantes, minha nossa, tenho tanta coisa para falar, te ouço andar do outro lado, sai da sua trincheira e vem pra cá, home is wherever I’m with you, eu não entendo o sistema de eleição dos Estados Unidos, hoje olhei pra alguém que não conheço, que olhou pra mim por muito tempo e a gente ficou puxando um cabo de guerra, porque é muito difícil não desviar os olhos nessa situação, mas um de nós dois tinha que desviar de uma vez por todas antes que a corda arrebentasse ou meus olhos ou os olhos do lado de lá do buraco do muro. Não sei, mais cedo eu estava pensando na história desse cara que colecionava rolhas e o quarto dele tinha milhões de rolhas e elas vazavam sempre que a porta se abria, ou a janela, porque não havia nada para tapar a porta ou a janela, daí ele comprou tijolo e fez cimento com cuspe, construiu um muro na soleira e no parapeito, ficou preso lá dentro e morreu. O cara só morreu porque fechou a vazante das paredes e esqueceu de fechar os gargalos das garrafas de destilado, bebeu tudo, entrou em coma e na solidão da convulsão fez verdade sua morte, mas como esta história é ruim demais eu nunca vou escrevê-la. Vai, faz de conta que ela também morreu na memória deste parágrafo e só tô te contando isso pra você ver que foi daí que eu tirei a ideia de abrir mais um pouco o buraco do muro, como o cara da história nunca vai fazer, pra ver se eu encontro aquele olhar de novo, o do cabo de guerra, sabe? Pois é, talvez eu consiga abrir um buraco um pouco maior, talvez se eu esticar bem a mão eu consiga alcançar a sua, talvez eu até atravesse ou cresça por dentro suficientemente pra notar que só existe meio metro de tijolo e eu ando arrastado no chão, corcunda nato. Afinal esse negócio de muro é só paranoia, se eu quisesse ficar de pé ou se eu pudesse sair daqui de dentro da cápsula da complexidade, teria me levantado.
O muro é tão pequeno, só barra mesmo aqueles barcos de papel que pensávamos de mentirinha que desembocavam no mar e a televisão transmitia que eram parte do lixo que entupia suas bocas-de-lobo. Na verdade, eles viraram a esquina e continuam ali, parados na porra do muro, como nós continuamos. 


e faltam oito anos pra abrirmos a cápsula do tempo!

O Real brilho dos diamantes

             Até onde se sabe, e temos razões sensoriais para tal, existem réplicas deveras verídicas, se é que me entendem a metáfora. Supostas falsificações que são em tudo como seus “originais”, estes que recebem tal nome muito mais por um caráter pioneiro ou por um fetiche de marca do quê pela qualidade ou qualquer outra coisa. Naturalmente que existem os casos, e admito não serem poucos, das coisas que só nos servem “originais” - e reitero a abstração semântica do termo. - mas admitamos que existem réplicas tão boas, ou “segundas marcas” até melhores que as ditas “grandes marcas” ou os “originais”.
          Poderia eu pegar exemplo de marcas consagradas, de emblemas que carimbam gerações, de etiquetas que têm história no percurso humano do consumo. Mas partirei, para melhor valoração de meu ponto de vista, de um exemplo mais natural, menos adornado, embora não menos fetichizado. Trato dos diamantes.
               O fetiche por esta preciosa pedra, que, diga-se de passagem, não tem nada de tão valioso assim se em estado natural. Ele passa a causar palpitações nos corações é quando tratado, beneficiado, lixado, modelado... deem o nome que apetecer-lhes. O que se lhe dá substância enquanto produto é a mais-valia de um trabalho humano; o que dizem dar-lhe valor é o seu caráter raro, o que não é verdade, pois sem um trabalho de um perito competente o valor da pedra cai substancialmente. O que lhe dá valor no que se refere ao apreço social é o preço que pagam por ele, pura e simplesmente. Crê que não, leitor? Realmente intenta pensar que é mesmo o caráter seleto do ordenamento dos carbonos que formam o diamante que lho conferem o status de “posse monarca”? Então vamos lá.
               Existem elementos tão ou mais raros que o diamante na natureza, mas o fetiche por estes produtos não é tanto quanto o do emblemático diamante, o que já elimina acreditar que simplesmente por ser raro o diamante tem estima social; claro que seu caráter solene na natureza empenha-lhe um preço alto de comércio, se bem trabalhado, mas trato aqui é do valor que ele tem perante o social. Sim, em certa medida esbarra no caráter solene dele no meio natural, mas tão somente porque cobram horrores para pegá-lo de lá.
              O que atribui valor ao diamante é o preço que pagam nele. Basta pensar que existem réplicas que emulam seu brilho peculiar de maneira maestral, idêntica até, ao dito “original”. Estas peças só não têm o mesmo valor aos olhos populares, embora sendo esteticamente idênticas, pela ausência do caráter fetichista esdrúxulo e absurdo que é pagar milhares de reais para por uma pedra lixada sobre um dos dedos.
             Alguns até dirão: “Mas Ian... Estas réplicas que você cita não têm a resistência do diamante, não têm seu caráter duro.” e admito que elas estejam certas, mas nunca vi um portador deste adorno, ou portadora, sair por ai dando marteladas em seus anéis ou brincos para mostrar a rigidez da rocha que porta. Ninguém lho faz; certamente fazem é encher de não-me-toques aqueles mais ávidos por acariciar a fria superfície do calhau.
               Enfim. Diamantes causam orgasmos não por serem belos, mas por serem caros; dinheiro é fetiche; esse é meu ponto. Deste modo entendemos a ensandecida busca pelas marcas, pelo caro... e não basta ser caro, como indiretamente salientei com este texto... têm de haver também a impressão popular. Estas duas em conjunto moldam os consumos sociais, as aspirações e as noções de valor e de belo, de aceitável, de agradável. Absurdos como estes são os que nos permeiam o tempo todo.

Azul e rosa são só cores de céu com humores diferentes



Donas de casa são hipócritas e CEO’s de grandes empresas têm, sim, consciência coletiva. A sua mãe é machista e o seu amigo não gosta de futebol. Sua namorada não conversa pelos cotovelos, nem é ciumenta demais, nem é mais implicante que você. E o seu namorado, em contrapartida, não é igual ao namorado da sua amiga.

Uma das piores coisas que o ser humano jamais vai ser capaz de fazer é estereotipar. Nós somos tão complexos, tão diferentes; sempre fomos, e, apesar desse jeito de pensar todo ‘globalizado’, ainda continuamos diferentes. Por isso, fecho os ouvidos pra essas pessoas que insistem em dizer que os homens são todos iguais ou que o outro gênero idem. Que mães isso e pais aquilo. Meninos de azul, meninas de rosa.

Isso só demonstra mente pequena e falta de criatividade e sensibilidade. Cada um de nós é um universo. Há tanta coisa na mente de cada um, tantas escolhas distintas, experiências boas e ruins... E, quanto tudo te escapar à ponta da língua, não se esqueça do código genético, cada um tem o seu, e isso é fato científico, caros ‘estereotipadores’.

Do manifesto sobre o Amigo, ou: A dificuldade de julgar a amizade e a Amizade


                Nebuloso é, por diversas vezes, o nosso julgamento acerca de quem está conosco de fato. E por “estar conosco” entendam "pessoas com quem podemos contar"; é que são demasiados os artifícios que ofuscam nossa óptica e enevoam nosso cerne.
                São questões de toda sorte; quem queremos ser, o que queremos fazer, com quem queremos que os transeuntes vejam que andamos, quem já te provou amizade, quem te deve um favor, a quem você deve um favor; aqueles que têm uma conversa sedosa; aqueles que em nada se importam contigo, exceto quando se estão todos a rir e beber e dizer disparates... sim, convivemos com gente assim todo santo dia, estes e mais uma enciclopédia de possíveis atores.
                Pois falo, ó, caros leitores, na minha certa ignorância: certamente não são os sorrisinhos afáveis e os brindes eventuais que expõem a real natureza das pessoas, tão pouco conseguem, estes brindes e sorrisos, aferir e mostrar-te quem é ou não seu amigo verídico; enquanto sorrimos, somos todos bastante condescendentes, fazemos todos um sem fim de promessas amigas e cordialidades quixotescas.
                Abrem-se mesmo os envelopes da verdade é na dificuldade, no contratempo, na adversidade, na pedra no calçado, no pé na bosta do cachorro; no momento em que segurar uma mão pode ter seu custo, no instante em que seria muito mais cômodo e menos problemático dizer “sim”, mas que o sofrido, porém correto, é dizer “não”, ou o contrário, se apetecer-lhe; os amigos dizem não quando a ocasião exige, os amigos não concordam a torto e a direito; amigos se importam. Quem concorda com tudo apenas para seguir a prosa não é seu amigo, é aquele que você verá zarpar na primeira dissonância; salvo está se você for um afortunado que nunca tenha de recorrer a ninguém, por conjunturas de nenhuma espécie.
                E nesse equívoco de julgamento você pode acabar por perder amigos verdadeiros, trocando o gato pela lebre; pois é nessa situação que você acaba por se distanciar ou negligenciar alguns em detrimento a outros, por razões diversas que sejam, por exemplo: Aquele seu “amigo” com quem você experimentou um baseado; aquele outro que te chama todo fim de semana para tomar uma cerveja na casa dele; aquele outro que te apresentou duas gostosas outro dia, mesmo sabendo que você era comprometido... claro intento deixar que Amigos, estes com maiúscula ao início, podem muito bem fazer uma ou duas coisas supracitadas; mas um amigo de verdade não prejudica-te, não te faz deliberadamente cair em contradição, não te põe a deitar em maus lençóis; um amigo de verdade se diverte contigo, mas não lhe traz revés proposital, pois o amigo de verdade quer o seu bem, e não simplesmente ver o circo pegar fogo com toda a plateia e elenco dentro; fato esse já conhecido desde que seu tataravô propôs à sua tataravó o conúbio.
                O que quero com este texto, que avalio como abstrato em medida quase demasiada, é que o leitor atente-se para o fato de que amigos, tal qual os artefatos de marca, podem ser falsos ou verdadeiros; e no segundo caso eu até admito que existam falsificações que valem no que se refere ao custo-benefício, mas não posso dizer o mesmo do primeiro apontamento; amigos têm de ser Amigos.
                Não troque aquele que de fato cobrirá suas costas na desventura por um tipo que nunca nem lhe deu um ombro amigo, mas que te oferece, talvez, algo frivolamente mais interessante, superfluamente mais atrativo, mas que substancialmente não trar-lhe-á senão o empobrecimento. Não coloque em segundo plano aquele que te ajudará e apoiará a chegar ao pico da colina pelo teu próprio galgar por aquele que te ofereça uma escada rolante prometendo que está lho levará ao topo– e sabe-se lá se é para o topo mesmo que ela leva.
                E por fim; não deixe aqueles que de fato se importam contigo, aqueles que até lhe amem, por aqueles que não o fazem; independente dos pesos imediatos; pois quando se trata de Amizade, de sentimento verídico, você não deve pesar os pontos do hoje ou do amanhã, tem de pensar a sua vida inteira.

Enquanto o furacão não passa


                Adeus, lua!

A lua é tão bonita
Quando enche a noite e o céu
E a sua luz basta
Para ver as cúpulas dos prédios
Que dormem

A lua é tão certa de si
Tão firme e preponderante
No domo celeste
Que parece atrair a Terra
E até ser maior do que ela

Mas atrai, sim, tudo aqui
Eu sei e você sabe
Porque sinto bem dentro
Aquela coceirinha dos órgãos
Que quase se soltam
Das suas concavidades

A lua nunca encontrou
Três naus desbravadoras
Só um homenzinho
Que esboçou uma frasezinha
Para poder dizer “eu sou
Aquele dentro da caixa registradora
De cores, formas e disparates”

Mas a gente toda sabe
(ou pelo menos a gente com sapatos)
Que a secular lua
É só uma pedra bem grande
E que ela seria feia
Ou nada seria
Não fosse o sol

A deus, lua!
(ou ao mais vermelhinho)
Pois é o sol quem ilumina minhas noites


Mais um Halloween esquecido

      Durante a lua cheia o homem nu entrou pela janela da cozinha, pegou uma faca e subiu as escadas, não encontrando ninguém em seu caminho. Mas as luzes estavam acesas, o que indicava que logo ele teria sua vitima, em algum próximo comodo da casa. Sua sede de sangue iria ser saciada e ninguém poderia impedí-lo.
      Ao revirar toda a casa viu que não havia ninguém. A garagem estava vazia, as portas trancadas e as janelas, com exceção daquela que ele usou para entrar, estavam fechadas. Estava óbvio que quem é que morasse ali tinha saído e deixado as luzes acessas ou por desleixo ou para tentar enganar algum tolo assaltante amador. Não se importando com qual fosse o caso ele subiu, pegou um vestido vermelho tomara-que-caia curto, se vestiu e saiu pela janela novamente.
      Antes de ir embora, desligou o a chave-geral de energia da casa, pois, claro, não iria aturar aquele desaforo de desperdício de eletricidade. Amaldiçoou os moradores daquela casa, foi até a porta da frente, que era de madeira bem trabalhada, e fincou a faca ali. Foi embora.
      As estátuas — aqueles observadores silenciosos — viram toda a cena e, naquele momento, pensaram já ter aproveitado tudo do que aquele lugar poderia oferecer e que era sempre melhor sair após o ápice dos fatos interessantes. Quando então uma pessoa que passava em frente piscou, elas se mudaram para nunca mais voltar.
      Os mortos dali que eram vigiados pelas estátuas, casados da morte, resolveram se levantar naquela noite de Halloween e esticar um pouco as pernas. Percebendo a ausência daquelas, resolveram não voltar por ora, frustando os adolescentes que chegaram em seguida para violar túmulos e fazer festas.
      Mas a frustração não durou muito, pois um lobisomem apareceu de repente no meio do grupo, aterrissando de um longo salto dado, e logo conseguiu três jovens corações, cheios de colesterol e já com alguns infartos, para sua segunda refeição da noite. Os demais se deixaram preencher pelo medo e se dispersaram.
      Fantasmas, se aproveitando da situação, se apoderaram dos três corpos sem vidas e já sem almas para andar pelas ruas, que mesmo com o forte cheiro da Morte, as pessoas ignoravam-os, achando até normal, tirando algumas espertas e inocentes crianças, as quais sensatamente passavam longe.
      Os fantasmas, já entediados, foram com os corpos até um museu principal da cidade,arrombaram o lugar, fazendo os alarmes soarem, e libertaram uma antiga e enfeitiçada múmia aprisionada em sua tumba.
      A polícia logo chegou ao local, viu os seguranças desmaiados e percorreram todo o museu para ver se alguma obra de arte havia sumido e se encontravam quem havia disparado os alarmes, até encontrarem três corpos jovens, fazendo do lugar uma cena de homicídio e assim nem percebendo a falta da múmia.
      Os fantasmas para terem uma visão privilegiada do caos que iria se instalar, abandonaram os corpos no museu, bagunçando os registros das câmeras de vídeo e seguiram a múmia que iria despejar milênios de ódio acumulados na população.
      Contudo, ao verem a múmia acharam terem visto a melhor fantasia de todos os tempos. Um clássico, sim, mas muito bem feita. Por isto recebeu muitos doces e especialmente chocolates, o que fez com que a múmia ficasse extremamente calma e feliz.
      Os fantasmas irritados com a falta do show de destruição possuíram a múmia para utilizarem seus poderes, mas um estranho travesti usando um vestidinho vermelho, coberto de graça, terra e cinzas colocou um colar havaiano na múmia, jogando-lhe sal, pimenta-do-reino, areia e vinagre.
      Assim como chegou foi embora, deixando na eterna morte aqueles quatro seres misticos que entraram em combustão espontânea.


      — Nossa, mas que sonho estranho! — eu disse inconscientemente para mim mesmo como se estivesse numa novela mexicana e precisasse falar meus pensamentos em voz alta.
      Limpando o suor da testa, fui até a cozinha, bebi um copo de água gelada e engasguei com esta ao me assustar com um gato preto que pulara na minha frente, me fazendo derrubar meu faqueiro e tossir por um minuto. O desgramado tinha entrado pela janela que eu tinha esquecido de fechar.
      Ao juntar minhas facas, acabei cortando minha mão, mas isto foi menos frustante do que reparar que estava faltando uma faca e não me lembrar de onde eu havia deixado-a. Mas não me preocupei com isto por muito tempo, pois estava com sono. Lavei minha mão, amarrei com um lenço e voltei para cama.
      Teria conseguido se um vampirinho gay não tivesse aparecido de repente para me dar dicas de moda. Infelizmente a conversa dele me deu insonia e por fim acabou com uma mordida no meu pescoço após ele sentir o cheiro do cangue de minha mão. "As pessoas do meu trabalho vão falar a semana inteira deste chupão. Droga!"
      Só que o tolo conseguiu se engasgar com meu sangue. Nem sabia que vampiros se engasgavam, mas até que parece meio óbvio que eles podem sim. Aproveitei para correr até a geladeira e pegar dois dentes de alhos, os quais enfiei na boca dele, por vingança, já que ele tinha tirado meu sono, e o fiz engolir.
      Deixei-o agonizando no chão enquanto twetava: Feliz Halloween à todos!

Pretenso cientista...


Ao final do curso de Ciência Política I, matéria obrigatória da minha formação, nos foi requisitado um parecer político-científico acerca da crise do Estado de Goiás, as vertentes teóricas ficavam a nosso critério. Entregamos, eu e o Marcos Augusto, um colega de classe, este trabalho que disponibilizo a vocês agora. Certamente não é um trabalho que merece ser levado ao pé do sério, mas acredito que também não seja completamente ignorável, uma vez que nos foi conferida nota máxima por ele.

Aqui estão os "Estudos acerca da situação político-econômica do Estado de Goiás"

Da falta de alcance da dialética e da retórica sem uso da Idolatria


                Uma definição hipotético-teórica, e que pelas minhas humildes e desvalidas análises se faz ingênua, é a regra metodológica tão famigerada que explica: ganha-se um debate pelo argumento. Fato é que o argumento é um ponto central no debate, escusado dizer; e o leitor mais afoito pela retórica pode logo crer que certamente aponto os outros fatores como sendo: a Eloquência, o uso correto dos jargões em seus momentos oportunos, a capacidade do locutor de saber mediar o discurso de modo a não torná-lo pedante, também a legitimação do locutor por algum título que lhe ateste como sabedor de determinado assunto; posto que este, sejamos francos, pode muitas vezes tornar o debate injusto em alguma medida... e este leitor está corretíssimo, estes também são pontos absolutamente essenciais em um debate, só um louco varrido o negaria. Mas é de um fator mais específico que quero tratar, este que pode, em muitas vezes, concorrer em pé de igualdade com o valor do argumento, ou mesmo com a titularidade, que apesar do contraponto real que apresento, ainda sim tem de ser tratada de maneira legítima e válida. Falo da idolatria.
                Hoje o mundo está abarrotado deles, os ídolos; dos mais diversos tipos; os pretensos intelectuais; os demasiado volúveis; aqueles que poetizam o declínio humano, romanceiam o suicídio; aqueles que são ricos, e a alguns basta isso para serem referência de alguma coisa, mesmo que a riqueza advenha de uma herança familiar de 500 anos; existem até mesmo aqueles que são visivelmente artificiais em suas proposições, mas que são vangloriados de franco e bom grado por seus seguidores, pois a estes basta o espetáculo, não um significado concreto, que deus tenha pena da alma destes; existem também os ídolos que são homerizados por seus visíveis desmazelos quanto à própria integridade, e pela visível teatral ignorância; existem até os ídolos que são ídolos só pelo fato de serem, se é que há alguma lógica nisso.
                Enfim: Pela qualidade dos ídolos de alguém, e por qualidade entendam minha absoluta parcialidade de julgamento, e pela devoção do objeto em questão, o fã, por ele, podemos ter uma ligeira noção dos valores de algumas pessoas; claro está que temos de resguardar a possibilidade, cada vez mais frequente, bem verdade, dos alienados que em nada se espelham nos Ídolos, mas que lhos dizem seguir apenas pelo benefício da não marginalização. E também estes que literalmente sofrem para se espelhar em alguém com quem em nada se identifiquem, mas que veem nisso um único meio para determinado fim, os não alocados de postura subserviente.
                E me causa suor nas têmporas a seriedade com a qual alguns tendem a levar estas pessoas. Vejam, muitas vezes eles não sabem nada da maioria dos assuntos pelos quais são abordados, principalmente no caso, por exemplo, dos “rockstars”, dos “formadores de opinião” e dos insuportáveis “socialights”, que por algum motivo são dotados de uma áurea de suposta propriedade sapiente... Não sabem nada de nada nem mesmo de maneira propedêutica em grandes casos, mas suas meia-dúzias de palavras vomitadas tendem a ter mais valor ao público ordinário do que a mais bem escrita argumentação epistêmica. Sim, as pessoas acham que o discursinho inflamado pseudo-revolucionário do formador de opinião no Youtube tem mais valia que um saber de fato averiguado, valorado por empiria e arcabouços teóricos.

Dia de princesa (só que em regime republicano)


Já ouviu falar desses programas de televisão onde uma pessoa (comumente uma mulher) ganha um dia de princesa? Pois bem, é disso que hoje quero falar.

A nossa sociedade cultua padrões e isso é inegável. A bem da verdade, a nossa não é única a se portar dessa maneira, padrões sempre existiram, fossem eles de aparência ou de comportamento. O que um dia foi fruto de desejo e cobiça, pode muito bem causar asco e discriminação hoje em dia (ou o contrário): as “ancas largas”, os pelos do peito, a intelectualidade...

Talvez a causa disso seja a necessidade que nós sentimos de seguir um guia de comportamento; as tendências, as etiquetas, as normas e convenções já estão ali e basta apenas respeitá-las para prosperar em meio aos seus iguais. É indiscutível que há regras a serem observadas quando se deseja fazer parte de um grupo, mas até onde o que vemos são males necessários para o “bom convívio” e não castração, tolhimento do individualismo?

Voltando ao cerne, Um dia de princesa consiste em encontrar uma mulher pobre, retirá-la da maloca em que ela vive, comprar-lhe roupas caras e da moda, afeitar seus cabelos e maquiá-la de forma idêntica às “famosas” e, de quando em vez, dar-lhe de comer num restaurante sofisticado, o que costuma resultar em situações pitorescas e inusitadas, frutos do estranhamento e do choque de realidades. Ou seja, dão um vale de um dia de duração para essa mulher marginalizada sair do seu inferno e ir ao céu. A nós, os telespectadores, sobram risadas perante a humilhação dessas pessoas. Mas é mais marcante ainda a emoção que isso causa nas participantes, que choram, agradecem a oportunidade e prometem nunca esquecer momentos tão lindos.

A televisão é lixo e, como todo saco de dejetos de um bom consumista contemporâneo, é pouco reaproveitável e escorre chorume. Vivem disso: tendências estúpidas, futilidades de humilhação. E o que mais me irrita e encabula é que as pessoas buscam isso, querem ser humilhadas e feitas de brinquedos idiotas nas mãos de outros brinquedos idiotas.

E só o que toda essa brincadeira gera é a intensificação do padrão. O que se percebe é que há dois padrões: um é aquele do qual todo o mundo faz parte e o outro é aquele de mentira, virtual, inalcançável, onde as mulheres são subnutridas, não têm espinhas e às vezes nem costelas.

Esses sujeitos merecem mesmo é um dia de cuzão. Perdoem o uso de palavra, mas, veja bem, se Saramago já a enfiou no meio da sua prosa tão poética, por que não?

Poems, everybody! Poems!

   Mysterious scribblings? A secret code? No, poems, no less! Poems, everybody!
   Rabiscos misteriosos? Um código secreto? Não, poemas, nem menos! Poemas, todos!


"Money / Get back / I'm all right, Jack / Keep your hands off my stack.
"Dinheiro / voltar / Eu estou bem, Jack / Mantenha suas mãos da minha pilha.  
"New car / Caviar / Four-star daydream / Think I'll buy me a football team."
"Novo carro / Caviar / quatro estrelas, sonho / Acho que vou me comprar um time de futebol."

***
     'Indecifráveis poemas contemporâneos!: Amontoado de palavras aleatórias que às vezes aparecem em versos e que não necessariamente precisam fazer sentido. Na verdade, para ele ser contemporâneo, ele não pode fazer sentido algum em hipótese nenhuma!'
     Creio eu que o parágrafo acima se equivalha à opinião de muitas pessoas. Infelizmente, pois estas acabam caindo no causo de que "provavelmente o autor é um simples cara que vomita randomicamente palavras numa ordem aleatória com o intuito de sacanear as pessoas", de forma inicial como um comentário, mas que acabam acreditando no que dizem e ignoram completamente aquilo, já que acham que dedicar tempo aquilo seria uma perda de tempo.
     O real problema, talvez, seja apenas que há uma falta de sincronismo entre o leitor e os escritos (como se você escutasse uma música lenta e meio triste, que você goste, num momento em que você está feliz, alegre, agitado e ansioso), e pensar na arte, em geral, em sua história e entendê-la, talvez, o aproxime de sua sincronia, e a julgue melhor. Por alto, vou jogar uma visão bem simplista minha:

     No começo a poesia e a música somente existiam como um só, por isso eram ritmados, rimados e contavam histórias, e por isto eram belas. Com o passar do tempo a poesia começou a ganhar autonomia e começou a ser declamada, sem mais a batida instrumental, mas tinham cada vez mais rimas e métricas, e por isto eram belas. Com o passar das eras as rimas se desenvolveram e os sentimentos e as expressões ganharam mais o foco do que as histórias em que apareciam.
     O plágio e o comum nunca costumou entreter muito o ser humano, por isto sempre buscamos o inovador, o diferente e o chamamos de belo. Devido a isso começaram a separar as coisas, como por exemplos as rimas: em pobres, ricas, raras e preciosas. Foi devido a necessidade da inovação que a poesia foi se desenvolvendo.
     Com o passar do anos a rima não era mais tão importante para caracterizar a poesia, e sim o que ela conseguia expressar, e nisso o ritmo da métrica, a ambiguidades e as demais figuras de linguagem ajudava. O conteúdo ia passar a ser o foco. E como nunca a poesia continuava bela. E com o tempo a importância da arte de se expressar através das palavras foi ganhando força; "Mas como se expressar tão bem em poucas palavras? E mesmo que eu tivesse todas as palavras do mundo, como eu conseguiria me expressar nelas? Como explorar as múltiplas divergências sem se tornar aborrecedor e direto? Como fazer o leitor sentir o que eu estou tentando passar? Como fazer o leitor ficar pensando no assunto e seus múltiplos casos?"
     Os poemas então começaram a ganhar formas, simbolismos, utilizar de pequenas referências para resgatar e tratar de grandes e complexas ideias, de forma ao leitor ter que parar para refletir as diversas ramificações e possíveis significados para as palavras e ideias e a vida e o universo e tudo mais...
     Hoje os poemas ganharam um nível cada vez maior de refinamento, uma verdadeira arte literária, da sutileza, do misterioso, do que incomoda e faz você parar e soltar um "Dafuq is it? (What fuck is it?)", "o que este cara queria dizer com isto?".
     Atualmente para compreender a principal ideia daquelas palavras (se é que há uma principal) há uma exigência cada vez maior de carga literária e de conhecimentos gerais, da atualidade e de costumes/culturas das populações. E por isto elas são belas!!!
     Não é para entendê-lo numa primeira leitura ou de uma forma tradicional. É preciso brincar com as palavras e jogar com elas e não ser tão denotativo; e a cada momento de sua vida que você ler aquilo, provavelmente entenderá uma coisa diferente e/ou a mais, o que lhes dá um aspectos de arte cada vez mais profunda. Mas não quero dizer, jamais, que uma poesia rimada, métrica e em versos padrões tenha deixado de ser menos bela por isto, é apenas como se fosse uma arte diferente, e por isto deve ser apreciada de forma diferente, mas não com menos intensidade.
     Não se deixe limitar pelas palavras! Pare de denegrir com comentários de desdem e passe a apreciar a arte ainda pouco compreendida.