Pós-zumbis 4ª Temporada (4)


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Estou mesmo acordado?

                Fronrel está em um campo de concentração. É noite, a lua ergue-se vermelha, grande e ameaçadora no céu. Fronrel juraria, se perguntado, que era o próprio olho do demônio que o encarava naquele instante, que encarava toda a metade do planeta nesse momento.
                Fronrel está com a vestimenta de um detento, mas por algum motivo transita livremente no local.
                O local tem tons pastéis, todos eles; nenhuma cor viva, nada que salte aos olhos, tudo é chapado, tudo é apático, tanto cores quanto atitudes, ações e padrões miméticos por todas as partes e presentes em todas as esferas de atuação dentro do campo de concentração. Muros de betão que se erguem altos e lisos, de todos os lados, adornados por arames farpados enrolados em seus topos.
                E Fronrel vê-se, de forma inexplicável, cercado por uma redoma de vidro. Um a um seus companheiros vão passando, tanto os que vivem quanto os que já se foram. E um a um eles vão se posicionando rentes ao muro. Um a um eles são fuzilados, sem dó, sem últimas palavras, sem últimos desejos. Ele espanca o vidro a cada tiro disparado, tenta quebrá-lo, inútil, tenta gritar, inútil, seus pulmões cheios esvaziam-se sem que uma única palavra saia de sua boca.
                Fronrel acorda. Está empapado em suor, só enxerga uma coisa, a luz vermelha que se dispõe no alto da sala, em uma quina, que indica que a câmera de vigilância está a funcionar. Não sabe que horas são, nem onde seus amigos estão; sabe apenas que tem fome, tanto de ração quanto de respostas.
                Em dado momento, que Fronrel não soube definir com certeza, ele foi separado de seus amigos. Não sabia mais deles e, por algum motivo, não tinha tanta urgência em sabê-lo. Fronrel estava cansado, cansado destes desencontros intermitentes, da constante expectativa frustrada, dos inconstantes planejamentos.
                Após certo tempo alguém abre a porta e adentra o recinto. É interessante como nosso relógio interior tende a se desorientar na ausência da visão. Fronrel não saberia dizer que havia se passado muito ou pouco tempo.
                _ Preparado? – pergunta a pessoa.
                Fronrel não sabia do que se tratava. Encara o homem por certo tempo, como a estudá-lo. Por um instante é isso, os dois se encarando, medindo as forças mutuamente. Fronrel responde:
                _ Sim.
                _ Ok então.
                O homem algema Fronrel e leva-o. Eles passam por uma saleta que lembra um bastidor de desfiles de moda.
                _ Escolha a roupa que lhe agradar. – diz o homem.
                _ Obrigado. – responde Fronrel.
                Fronrel passa certo tempo analisando as vestimentas, todas elas de marca e muito bem feitas. Fronrel escolhe uma camisa xadrez nos tons azul anil e amarelo; uma calça jeans justa e um par de sapatos; pensa firmemente no que estaria por vir, só duas hipóteses se faziam prováveis: Uma execução cruel, covarde e sem chance de disputa pela vida ou um julgamento. De qualquer forma, na duvida, Fronrel arruma-se como se fosse a última vez para tal rito.
                Ao termino da cerimônia, Fronrel é novamente escoltado pelo sujeito. É posto em frente uma escadaria muito íngreme e extensa, “Stairway to Heaven” pensa Fronrel, mas pensa que este paraíso não deve ser o que dizem.
                _ A partir daqui você segue sozinho. – diz o homem. Ele diz serem diretrizes administrativas, mas Fronrel crê que sejam apenas desculpas para não ter de subir a escadaria.
                Fronrel começa a subida, nunca foi um esportista nato, mas também não era um sedentário que não conseguia subir um lance de escadas sem terminar o processo ofegante. Ainda sim para duas vezes, tem a sensação de que a última vez em que dormira bem ainda estava no útero materno. Chega às grandes portas, são duas, duas portas que se ligam pelo centro. Têm maçanetas finas e sofisticadas, lustrosas, belas, imponentes, magnânimas, poderosas. Atrás delas o destino de Fronrel está guardado. Fronrel encara-as por bastante tempo, quase entra em transe, não fosse o sujeito, sim, aquele que ficara lá embaixo, ter dito que Fronrel tinha de entrar logo.
                “Se for pra ser vai ser, não tem outro jeito” pensa Fronrel.
                Fronrel abre a porta.


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                A dureza da escrita está na obrigatoriedade da citação não simultânea dos fatos, mas a isto o narrador acha remédio com a explicação, o parêntese, o rodapé ou a simples descrição direta; portanto é mister dizer que no momento em que Monquei morre, R. desperta a chorar em seu cativeiro, coincidência ou não nunca saberemos. Chora desesperadamente, como se lhe faltasse ar ou algo como essencial à vida. Se lha perguntassem, jamais saberia explicar porque chorava, mas chorava. Tinha no peito uma tristeza que faria entristecer até mesmo um genuíno bobo da corte. Mistérios do coração, desde o princípio dos tempos se fala deles, não seriamos nós os pretensiosos que lhos desvendaríamos.
                Ao ir aquietando-se, R. percebia que algo verdadeiramente ruim havia acontecido, e pensa em Monquei, pensa que, se este algo que sentira remetesse a ele, pode ser que ela não suportasse. Mal dos amores prematuros, são de intensidade tal que nos levam, se de coração ofendido, a conjurar maldições e proferir absurdos a toda sorte de gente que nos entra ao caminho.
                A sala em que se encontra, tal qual a de Fronrel, é igualmente escura, mas se tem câmera, não funciona, ou é incógnita, pois não é identificável por um LED vermelho a se manter constante.
                Ninguém vem chamá-la.
                Camaleão acorda em uma cela levemente clareada por uma tênue iluminação vermelha. Ao levantar-se tenta reconstruir as memórias que lhe trariam o resumo do ocorrido, não consegue. Irrita-se, tinha de ver isso, Camaleão andava se irritando constantemente.
                Ninguém vai chamá-lo.
                Albinati acorda em uma sala não muito escura, mas que mudava periodicamente o foco da luz, criando sombras de certo modo perturbadoras, o que lhe fazia tentar ficar a maior parte do tempo pensando em outras coisas que não a situação atual.
                Não a buscam.
                Linda. Linda nem sequer dormiu, foi entregue à cela que lhe fora reservada, deitou em posição fetal e desta não saiu. Olhava ocasionalmente para o cotó que fora sua mão direita. Em dado momento começa a batê-lo na parede com tanta força que este começa a sangrar. Sem motivo lógico ou aparente ela para novamente, voltando à estática posição fetal. De repente começa a puxar os cabelos, arranca tufos e tufos até deixar o couro cabeludo bastante ferido e, novamente sem um porque, para.
                Não a pegam.
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                E agora voltamos à cena inicial desta temporada, com Fronrel ajoelhado no meio da corte, humilhado, sendo ele a prova viva de que a desobediência às normas vigentes é o pior dos crimes e passível das piores punições.
                _ Comecemos agora o julgamento do réu que se apresenta diante da corte, Fronrel. – diz o Juiz.
                Fronrel ergue a cabeça. O juiz tem uma feição quase gloriosa, jurariam que era ele um representante de, senão o próprio, deus. Um carrasco checa o fio da lâmina da guilhotina; é o palco perfeito para a perpetuação de um mártir, de um bode expiatório sobre o qual todos os males recairão.
                Mas não se sabe, ao menos não agora, o que diabos se sucedeu, talvez um momento de insanidade, alguma jogada política muito maquiavélica, ou o súbito teleporte para um romance Kafkiano, talvez os três juntos, mas antes de qualquer tomate lançado, antes de qualquer ofensa proferida a Fronrel, a primeira coisa que foi dita saiu da boca do Juiz, e foi:
                _ Você está absolvido.

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