Ultraviolento


                A história escrita por Anthony Burgess é considerada por alguns como integrante do chamado “tripé das distopias literárias”, ao lado de Admirável mundo novo e 1984. Realmente enquadra-se nesse ramo, mesmo sem o apelo para mirabolantes desenvolvimentos tecnológicos, e sim para o extremo das ações humanas. O enredo caracteriza-se como uma deveras profunda crítica à sociedade e, atemporalmente, ao ser humano.

                Indivíduos que se entregam às drogas, à música pop massificada, à violência e à discriminação declarada das minorias; governos maquiavélicos, mentirosos e conspiratórios; sistemas públicos falhos e corruptos: onde está o limite entre a ficção e a realidade?

                Nós somos aquilo, mas ainda tentamos nos esconder da verdade. Segundo Renato Russo, “nos deram espelhos e vimos um mundo doente”. Ainda num diálogo intertextual, é como no texto dos ‘Nacirema’: espantamo-nos com as barbaridades, até que percebemos quão bárbaros somos.

                Outro ponto interessante é a Técnica Ludovico. O sistema carcerário, incapaz de reformar os cidadãos descumpridores da lei, aliado ao governo, interessado em obter resultados manipuláveis para angariar prestígio político, lançam mão de um método de lavagem cerebral que tornasse o sujeito incapaz de cometer atos criminosos. De um lado, o governo e os mais radicalistas consideram interessante a aplicação de tal procedimento visando à diminuição dos níveis de violência, de outro, a oposição e a igreja – essa preocupada por perder os preciosos pecadores e redimidos, aquela participando o corriqueiro jogo político – alegam a perda do livre arbítrio e a crueldade empregada.

Alex torna-se uma mera cobaia, joguete na mão das facções políticas. Um homem que tinha tudo o que queria enquanto vivia no crime e perde tudo e é rejeitado quando “reabilitado”. A família e os amigos o abandonam, só lhe restam aqueles com interesses mesquinhos.

 Não sei ao certo qual a intenção aí contida, mas talvez a ideia seja de que a ciência ainda não é capaz de controlar completamente o homem.

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