O buraco é fundo, acabou-se o mundo

é uma roda

Tem vinho no copo e na tigela do gato. Nós dois bebemos a noite inteira. Vou empacotar minha casa e me mudar para qualquer lugar onde ninguém me conheça. O gato não. O gato vai ficar para miar no seu ouvido, vizinho. Ele está preso no pedaço de chão marcado pelas voltas da casa que vou empacotar e levar nas costas. Ali não vai ter comida nenhuma: na tigela vou deixar meus desenhos para que antes de morrer de fome o gato coma. Queria ficar só para ver que tipo de mutação vai virar. Um monstro gigante, aspecto felino draconiano escroto. Me bate uma saudade do gato, mas mato. Encontro uma magrela que gosta de fumar chá e tem o cabelo platinado que rima com os olhos azuis que rimam com as sardas artificiais que seguem a via do verso popular do fulano que ama ciclano que ama beltrano que no final não ama ninguém, pois é, as sardas artificiais não rimavam com nada. Tento explicar para ela a negritude cabal que é o buraco da saudade do gato, aquele filho da histeria de uma foda noturna que dois gatos tiveram numa laje anônima, mas o idioma dela não tem nada similar, daí me perco, caio no buraco e afinal o buraco não tem um gato no fundo, não é por ele que choro de noite, de dia, agora.
De repente, chove. A mistura da terra com pingo de chuva faz esse cheirinho gostoso que me lembra de casa. É isso que me chama de volta, porque, sinceramente, eu sou livre para rasgar a realidade quando escrevo, mas aquilo sobre levar a casa empacotada era só uma metáfora. E, olha, eu ando bem cansado dessas medidas de relacionar as coisas, vou ser cru e realista, ponto:
Volto para casa, mas o monstro que o gato tinha se tornado devorou a cidade inteira. Não resta nada. Só um buraco.
Opa.

Piscinas em casa nos fazem mais perto de deus!


                Ser-se rico... vontade de... não sei, nove entre dez viventes? Talvez de dez entre dez... não digo que é errado querer ser rico, muito menos que é errado sê-lo, seja por herança ou por conquista, embora a segunda opção traga mais prestígio aos espólios... não, ser rico deve ser bom mesmo, e que argumentem nos comentários aqueles que discordam... mas o duro são aqueles fantasiosos, aqueles que só se contentam se estiverem a viver a realidade da “minoria branca católica”, como diria o Marco Aurélio, que hoje nem é mais tão católica assim, ouso dizer; aqueles que constroem castelos no ar esperando que a loteria os premie... beira o esdrúxulo, o caricato, o jocoso, o obtuso... estas pessoas que acham que a vida só pode ser feliz de fato se tiverem piscinas de néctar e colares de ouro... casas com mais vidro que reboco; estas que, qualquer arquiteto franco dirá, no Brasil, são absolutamente pouco eficazes por não armazenarem calor no frio nem isolarem no calor; não, estas pessoas beiram os mais baixos níveis de escrúpulos sociais para alcançarem o objetivo fútil de suas vidas, viverem de compras em shopping e encontros sociais pífios, onde a pergunta mais profunda de que se tem registro nos extensos volumes da história das convenções sociais é: “nossa, este vestido é feito sob medida ou comprado em lojas?”
                Pessoas que são lembradas por quanto dinheiro têm na carteira, e não por quantas pessoas ajudaram, ou por quantas vezes se preocuparam com os problemas do mundo. Não, isso é chato, divertido é o frívolo deleite de pagar dez reais em uma xícara de café, ou quinhentos reais em uma indumentária que custou trinta para ser produzida... isso é valorizado. Alguns, destes que não são ricos, mas querem sê-lo, destes que estouram limites de cartões de crédito, destes que têm vergonha se dissermos, “ei, talvez o dinheiro não dê e a necessidade não seja tanta, não acha que é melhor poupar?”, estas pessoas são as que afundarão, e com certa satisfação minha, devo dizer. Temos de admitir que talvez a culpa não seja inteiramente delas, que a alienação deste mundo lhas tenha tragado como um leviatã, mas ainda tenho certa consternação ao presenciar tais cenas; estas pessoas são talvez piores, porque fingem ser aquilo que não são, se rebaixam ao extremo do escambo da dignidade humana para manterem um estilo de vida que não é feliz, um estilo que só me causa uma emoção, pena, talvez com uma pontada de ojeriza.
                Destas que se envolvem em relações visando apenas finanças, destas que antes de olharem o que o sujeito(a) fala, olham o carro que ele(a) dirige, destes(as) que antes de olharem o que este(a) cara fez para ser o que é, consultam sorrateiramente o extrato bancário olhando para a marca dos calçados e das vestes. Se há podridão no mundo, vejo ela ai em grande medida.
                E os ídolos? As pessoas hoje não querem saber dos intelectuais, não querem aqueles que pensaram e solveram dilemas ou interviram na história, querem admirar aqueles que moram em mansões e que têm piscinas em casa, que pilotam carros do ano, e importados; que nunca se deram ao desprazer de repetir uma roupa; estes é que são as bolas da vez. E é nisso que afundamos.
                E o pior é a ingenuidade, pois este texto não é destinado aos ricos, mas àqueles que querem viver como ricos e não o são, pois legitimamos um sistema que nos corrompe, que nos entristece e que nos escraviza na esperança de, um dia, talvez, sermos como estes ídolos de merda que preenchem as páginas das revistas e dos web sites, mas a ironia é que nunca, isso nunca vai acontecer, pois há uma gigante petrificação no sistema financeiro; quem tem dinheiro permanecerá tendo dinheiro, e um dentre um sem fim conseguirá emergir das classes (ou da classe, como diria Marx) inferiores para ascender ao status de pessoas financeiramente bem providas.
                E é disto que estas pessoas vivem, de ilusões fúteis de consumo desregrado e sem sentido, de isolamento quanto aos problemas do mundo e de isenção de culpa neles...
                E se alguém discorda, que comente. Mas que seja franco, que não concorde com o que eu disse por ser um discurso tido como politicamente correto (que sabemos, muita gente acha que é um conto de fadas) pois, como eu disse no texto de ontem, a hipocrisia é um mal, senão O mal...
                SEJA A MUDANÇA QUE VOCÊ QUER NO MUNDO.

das considerações sobre a contradição


                Por muito tempo, mais até do que se diria passível de aceitação de um ponto de vista moral, a hipocrisia reinou no mundo; a meu ver ainda reina, talvez mais disfarçada, talvez mais escrachada, mas fato é que ela ainda esta ai dentro dos nossos sapatos, e demasiado incômoda do meu ponto de vista.
Mas sempre existem aqueles contestadores dos paradigmas, aqueles que, não satisfeitos com o status quo, resolvem se por vis-à-vis a sociedade a proferir: “SIM, SOU CONTRADITÓRIO! TENHO DIREITO DE ERRAR!” e estes merecem meus mais honestos cumprimentos, pois é pela aceitação do equívoco, todos sabemos, que podemos constituir uma melhor elevação espiritual, filosófica, moral e afins. Mas, como tudo nesse mundo, há sempre um revés, um ônus, algum contrapeso, uma chateação, um dissabor, uma fatiga, uma urticária... Parece-me, e finda ai, na condição de percepção e avaliação estritamente pessoal, que esse novo argumento (que volto a dizer, congratulo) corroborou a oportunidade a alguns de simplesmente cruzarem os braços e se conformarem com a própria imperfeição, por assim dizer. “Ah, sou contraditório sim, e daí? Todos somos...” E ai encontra-se perigo dos mais graves, a aparente imutabilidade de uma situação torna-a mais e mais pétrea, de modo que, progressivamente, torna-se mais difícil alcançarmos uma solução. Uma coisa é entendermos nosso caráter humano e, por consequência, nossa eterna tendência ao erro, outra coisa é falar na maior calma, assumindo como a coisa mais natural do mundo, uma falha tão, se me permitem a metáfora, cancerígena para os nossos tempos, senão causadora... temos de considerar esta hipótese também.
                Tenho calafrios só de pensar na possibilidade de legitimarmos a livre prática e aceitação da contradição. Ora, somos racionais, temos plena condição de pensarmos adiante e, assim, pelo simples PENSAR, fazermos de nossa índole algo mais crível, algo menos abstrato e falacioso. Esse discurso da banalização dos diversos preconceitos, dos diversos contracensos entre fala e ato, são coisas que, na grande maioria dos casos, se não intencionais, ocorrem por simples falta de reflexão, as pessoas querem tanto provar-se detentoras de algum tipo de ideologia, ou mesmo de senso estético ou crítico, que adotam estereótipos e discursos empacotados sem ao menos refletirem em como aquele discurso pode não lhas representar de fato. E, para além disso, os inúmeros discursos pautados em valores e morais e éticos que, no fundo, não são, em verdade, pensares do interlocutor, apenas coisas ditas sem vontade ou propósito, paliativos para a conformidade do espírito, este que, no fundo, queria era a vida fútil e burguesa dos pop stars e destas pessoas ricas que, em grande parte, não moveram um dedo para merecerem a vida que tê, este que é o espírito do homem? Esta é sua vontade?
                Prossigamos... há discursos falaciosos em demasia, solilóquios sobre os problemas da Terra e sobre como o mundo seria melhor se isso ou aquilo, e estes me causam repulsa quando vêm de pessoas que sabe-se quererem é piscinas de ouro e Bourbon ... alguns enchem a boca para maldizerem isso ou aquilo, a cultura pop e as massas alienadas, a convulsão por dinheiro e a falta de ética, mas estão com o dedo em riste a tanto tempo que parecem não ter dimensão da tamanha trave que cega seus olhos, parafraseando nosso ilustríssimo Jesus.
                Mas é isso, eu já até disse em algum texto anterior, não me lembro qual... quando falamos de contradição e hipocrisia, escusado seria citar a humanidade como exemplo máximo e ideal para a argumentação...

A Globo não é a vilã da novela


            Andam querendo que o elefante toque cítara.

Essa é a analogia que me vem à cabeça quando vejo gente dizendo “ridículo, jornal nacional faz reportagem sobre Luísa, que tá no Canadá, em vez de falar da greve das universidades!”.

Calma lá, pessoal. A verdade é que esse jornalismo de televisão, ou qualquer outro que seja de massa, segue estritamente as leis de Adam Smith: onde há procura faremos oferta. Não que os outros meios sejam independentes e publiquem o que lhes atinar. Mas estes nacionais, estes que antecedem a novela falam aquilo que pode gerar algum interesse no espectador e ponto. A Sra. X, que assiste à novela das oito, quer saber que Dilma foi à China e que Dilma foi eleita a terceira mais poderosa mulher do planeta, e não que Dilma trata com mão de ferro e como madrasta má os sindicatos (filhotes de Lula).


A Globo - eu reitero, contendo minha vontade de escrever em letras capitais – não é a vilã da novela. A Globo não é a culpada, não é a responsável, não é a causa última de todos os problemas da tua vida. A Globo não te obrigou a reeleger Sarney, Collor e Maluf. A Globo não te obrigou a ver mais novelas do que ler livros. A Globo não tem poder de absolver réu do mensalão – por enquanto. A Globo é um império podre construído sobre a capacidade que as pessoas têm de aceitar de bom grado quando lhe passam migalhas de merda pelo vão da porta.

Tudo bem, há aí toda a questão de ser mídia formadora de concepções e mentalidades. Mas eu embarcaria isso tudo em algo chamado ‘influência’, e não ‘determinação’, como alguns querem. A programação enlatada e cheia de repetidas cagadas e atrocidades está lá para ser assistida (ou não, pois, acredite, há quem não assista/viva Globo), interpretada, processada e utilizada como convir para cada um. E que cada um conclua por si próprio o que quiser.

A porra do seu televisor tem a opção de mudar o canal, tem um botão de mudo e outro para desligamento; a porra do seu televisor pode ser desligado da tomada.

Esse é o mundo da televisão. E deixe-me dar uma dica, jovem padawan, não dê audiência àquilo que não concorda. É assim que funciona. Simples, não?

Desafio "Narrativa Retalhada" - Parte 5/5 II

Segundo pedaço do finale da estória de Grégore Trévor.
Para ler os anteriores, clique bem aqui.
Esse é só o fim.

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O final de Grégore Trévor, segunda parte

“Matá-los todos? Vocês acham que sou o quê, seus imbecis? Nem eu sei o que eu sou, pra falar a verdade. Vai ver sou mesmo a merda de um marciano. E pistoleiro ainda por cima!”
As pessoas, comendo como animais aqueles sanduiches gordurosos, me lançavam olhares alarmados e furtivos. Uma coisa que me dissera aquele sujeito, apesar do absurdo que representava, fazia sentido: eu sentia que não fazia parte daquilo tudo a minha volta. Cabeças se viraram em minha direção quando elevei minha voz.
“Quem? Por quê? E por que eu?”
“Como dissemos antes, você é de outro mundo” disse em tom de fatigada sapiência aquele mais falante. “Não um outro planeta, nada assim, não físico. Mas de alguma coisa como um universo paralelo; aquele em que habitam as nossas mentes. Isso é só uma teoria, mas achamos que você é a manifestação de todos os nossos ideais, só não teve tempo para tomar consciência deles ainda”.
“E o Eugênio? Ele me disse que vocês eram canalhas e que fizeram mal a toda aquela gente”. Eu tentava me agarrar a qualquer pedaço de argumentação lógica em que pudesse colocar as mãos. “E que ainda por cima roubaram seu machado!”.
“O Eugênio...” começou o de óculos outra vez, “Ele é uma figura quase mitológica. Há muitos anos viaja entre essas duas dimensões. Pessoas mais sensíveis - gênios até, eu diria - notaram sua presença deslocada e tentaram nos avisar”.
“Não roubamos o seu machado”, atravessou o cara alto, “ Ele nos foi dado. Por alguém que veio a nós numa nave. Não convém falar sobre isso agora. Só convém dizer que ele nos foi dado para que o usássemos da maneira correta”.
“A maneira correta é você!” disse o oriental, tão subitamente que assustou até os seus companheiros e quase me fez saltar da cadeira.
Nesse momento, uma comoção estranha pareceu tomar conta do lugar. Perto da porta concentrava-se um número grande de pessoas. Algumas gritavam, outras exclamavam sua surpresa com pequenos e patéticos Oh’s. Foi quando irrompeu da porta um sujeito pachorrento, vestido com grossos roupões, joias, uma coroa e até um cetro; gordo, com farta papada, bochechas murchas e lábios cheios caídos. Logo depois um homem numa pesada batina negra apareceu. Seguido por um rapaz moreno de camisa verde e amarela e cabelo ridiculamente queimado. E, por último, com um sorriso sádico no rosto, um velho com uma cartola branca decorada com uma faixa azul com estrelas brancas, um casaco azul e gravata borboleta vermelha.
“Não temos mais tempo. Já chegou a hora” disse o de óculos. E, de uma bolsa de couro preto que esteve numa cadeira esquecida por todo esse tempo, tirou um objeto de cabo comprido, brilhante e belamente ornamentado. “Faça aquilo que deve ser feito. Acabe com os símbolos do que repudiamos e estará livre!”.
“Dom João VI!... Padre Marcelo Rossi!... Neymar!... Tio Sam!...!” gritou algum incógnito, exclamando o óbvio.

Aff, esse off ou: o problema do off à nação brasileira...


                Não ouso dizer que sou grande entendedor da língua portuguesa, mas acho que este, o entendimento acerca da nossa língua, deveria ser, além de mister, valorizado. É fato, a grande maioria não valoriza o português bem escrito e falado; e não falo dos que não têm condições de aprendê-lo, por fatores como carência financeira ou ensino deficiente; mesmo aqueles que estudam na mais refinada das instituições de ensino negligenciam o saber concernente à língua, para não falar do conhecimento em geral. Mas enfim, nos raros momentos em que se requisita um  português correto, a grande maioria trata isso como apenas mais um ponto curricular, sem importâncias maiores, sem o sabor de um saber que é tão importante: A habilidade de se expressar com palavras precisas, e não meio-sinônimos que meio-dizem aquilo que você gostaria de dizer. Não, ninguém liga.
                Claro que é um caso enfadonho de citar, uma vez que se trata de um ambiente onde a linguagem tem de ser rápida e diminuta, mas as redes sociais são uma amostra atroz do sacrilégio diário sofrido por nossa língua, e não falo de abreviações esdruxulas ou aumentos inexplicáveis (acho válida a troca do “não” pelo “ñ”, mas por “naum” é, além de sem sentido, sofrido), pois estes pode-se alegar como uma nova codificação ou coisa similar, falo da pontuação mesmo: O Facebook nos mostra que a grande parte de seus usuários nunca aprendeu o uso da vírgula, ou do ponto final, e nunca viu um ponto e vírgula na vida...
               Mas estes parágrafos iniciais são só o que considero um dos leitmotivs para o fenômeno que pretendo abordar neste texto. Falo do já tão comentado estrangeirismo, que me aparece cada vez mais forte, e coloco aparece por não saber ao certo se foi ele que aumentou ou se fui eu que passei a olhar mais para isso. Mas sigamos, o problema existe e está ai. E sim, trato como problema, não como simples fenômeno. Problema por contribuir com a cada vez mais abstrata identidade nacional, que, como todos sabem, começa na língua, basta buscar os antropólogos que estes explicarão. Tudo que você entende como cultura começa pela língua e se transmite por ela, então já temos ai um mal irreparável, o de termos como língua pátria a língua dos colonizadores, mas a partir dela fundamos nos traços culturais, estes que mixam tantos outros, e através dela conseguimos fundamentar e transmitir a hoje tão vaga noção do “Ser Brasileiro”. E cada vez menos sabemos o que é isso, não sabemos o que é uma identidade com a terra ou com o povo que nos cerca enquanto comuns de uma mesma nação.
                Pense, a perda da identidade nacional não é apenas a perda de particularidades culturais, fato que já acontece em certa medida pela mundialização de mercadorias, entretenimento e demais artefatos. É também a perda de um sentimento de comunidade, que, para mim, justifica EM CERTA MEDIDA, a nossa apatia com relação a qualquer posicionamento frente a crises políticas e mesmo em relação à corrupção, pensem: a identidade está tão perdida que o político não pensa, estou roubando meu povo, o povo brasileiro, ele simplesmente está dando uma de esperto porque qualquer um o faria no seu lugar (o exemplo é fraco, mas serve ao propósito). Ou mesmo isso, a nossa falta de identidade pátria nos desmotiva frente a qualquer manifestação em prol de uma melhoria geral, pois não enxergamos uma melhoria nacional como uma melhoria pessoal, uma vez que não nos vemos inseridos em uma comunidade pátria.
                O que para mim só piora quando, já tendo um histórico de desvalorização da língua, a impregnamos com estrangeirismos diversos, principalmente do inglês, algo que advém da hegemonia norte-americana, e ai pode até se justificar em uma certa medida, mas não nos sujeitemos a isso! Se espanhóis, portugueses, argentinos e diversas outras nações não o fazem, porque nós o fazemos? E o pior é que, fosse apenas para palavras para as quais ainda não há correspondente em nossa língua, seria até compreensível, mas agora enveredamos em uma onda de trocar tudo. Já não bastavam os termos da tecnologia (como mouse no lugar de rato; e se acha a troca absurda, saiba que espanhóis e portugueses lha fazem), agora vemos OPEN na porta de comércios, OFF ao invés de desconto, WELCOME... por deus, na avenida Anhanguera, na faixa exclusiva para ônibus temos um enorme BUS, como disse meu antigo professor de história, ilustre Marcelino: "poderiam ter colocado BUSU, mas não BUS!"... mas enfim... este texto dificilmente mudará alguma coisa, escrevê-lo serve para nada senão desabafo, mas assim ficamos, no desabafo... 

Desafio "Narrativa Retalhada" - Parte 5/5 I

Primeiro pedaço do finale da estória de Grégore Trévor.
Para ler os anteriores, clique bem aqui.
A segunda - e última - parte vai ao ar nesse domingo.

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                                       O final de Grégore Trévor, primeira parte

A tarde talvez fosse azul. Estávamos descendo a toda velocidade uma deserta avenida – curiosamente deserta, já que se arrastava solene no céu o iminente crepúsculo. Eugênio dirigia com uma expressão transfigurada no rosto, algo como obsessão, ódio e excitação digladiando-se para tomar conta da sua expressão facial. Eu me agarrava com força ao meu livro e à alça de segurança presa logo acima da minha cabeça. Reservei alguns instantes para registrar a aparência do homem ao meu lado: camisa branca de algodão desabotoada no topo de modo que grossos pelos negros eram visíveis no seu peito, calça jeans clara um tanto surrada, sandálias de couro como as de um espartano e longos cabelos ondulados e oleosos. De alguma forma a minha primeira impressão de que aquilo não era um homem se esvaía da minha mente confusa, assim como a rigidez dos meus músculos me deixava gradualmente.
“Por que não me diz aonde vamos?” perguntei, apertado contra a porta do passageiro e encarando o motorista ensandecido.
“Porque você não entenderia. Garanto que há várias coisas nessa vida que são mais suportáveis se ignoradas” disse Eugênio em sua voz profunda, mas rouca como a de alguém que gritou a plenos pulmões instantes atrás, e continuou, “Afinal, o que diz esse livro?”.
“Ainda não tive oportunidade de ler” respondi, mas emendei antes que sua insatisfação pesasse mais ainda o pé sobre o pedal de aceleração, “Por que esses ‘pseudo-escritores’ roubariam um machado? Simplesmente para argumentar o nome...”
Essa frase foi interrompida violentamente quando algo – um carro, presumivelmente – acertou o lado de Eugênio num cruzamento. A soma vetorial da colisão levou-nos para fora da pista e para o meio de um lote baldio com mato alto. Eugênio estava inconsciente ao meu lado, mas sem vestígios de sangue. Abri a porta com um solavanco e saltei para fora. Estava tonto, nauseado; meu corpo tremia febrilmente em meio a espasmos; vomitei; bílis e água. Meu deus, por que me abandonaste se sabias que eu não era deus? Antes que perdesse mais uma vez os meus sentidos e outra vez ainda a ingrata gravidade jogasse a terra contra o meu corpo inerte, vislumbrei a silhueta de uma pessoa vindo em minha direção.
Quando novamente recobrei a consciência, estava sentado/esparramado a uma mesa nos fundos do que parecia um fast-food. Quatro homens sentavam-se a minha frente, todos jovens (alguns até sem rastro de barba) e todos sérios como coveiros em serviço. Ao notarem meu despertar, assentiram entre si e aquele que parecia o mais inquieto e interessado em falar o fez.

A janela do tempo em que se permite ser hipócrita (?)


                Se se é um conservador destes sisudos, a primeira coisa que terá é uma palpitação ao entrar no Campus II da UFG, talvez em qualquer grande Campus do país. Lá, como brincamos eu e o Marco durante uma análise, as minorias são maioria. Você vê muito mais “hippies”, “punks”, “esquerdistas”, “maconheiros”, “revolucionários”, “homossexuais” e “profetas de botequim” do que pessoas tidas no meio ordinário como “comuns”.
                A UFG conta, em todos os seus campus em Goiás, com aproximadamente 23000 alunos (dado fornecido pela pró-reitora de graduação em uma palestra que assisti no início do ano). Eu fiz uma rápida pesquisa, mas não consegui achar o número certo de pessoas que se formam anualmente, mas, pense comigo: Onde é que estão esses “revolucionários”, “esquerdistas”, “hippies”, “os contra sociedade”... e seus sinônimos? Creio que vestem terno e gravata e vão para os escritórios e esquecem o discurso dos anos de curso.
                Não estou falando das vestimentas ou da maconha fumada, mas poxa, há tanto discurso de mudança na universidade...  se milhares de pessoas saem de lá todo ano depois de terem falado e ouvido tal monólogo até a exaustão... eles estão sendo abduzidos? Ou são apenas acometidos por uma amnésia? Ou por um desanimo? Ou por um choque de realidade? Se todos que lá se formam não esquecessem a latumia ouvida, talvez o nosso país estivesse diferente.
                A interrogação entre parênteses não é desproposital, não estou acusando ninguém de hipocrisia, apenas conjecturando a estranheza deste fato. Como eu questionei no parágrafo supraescrito, talvez seja apenas uma sensação de fraqueza, mas isso não descaracteriza a peculiaridade do fato, que só corrobora em minha opinião o caráter imutável do homem. E também sua tendência social forte, essa de agir de acordo com um movimento de massa sem verdadeiramente estar interado do que aqueles atos e dizeres representam de fato. Talvez seja isso, essa necessidade de inserção em algum grupo por status ou coisa semelhante, mas nada de concreto, nada de verídico, apenas aparência, maquiagem, hipocrisia. Mas não sei, algum leitor ai sabe?
Se você é daqueles que ainda está no ensino médio, verá do que falo; se você já ser formou, sabe do que falo; se nunca ingressou ou não pretende, convido-o, por pura experiência sociológica, a visitar o campus para ver do que falo. Eu fico um pouco intrigado.
A comoção causada em massas é perigosa, quanto mais estudo isso do ponto de vista sociológico, mais me convenço disso.
                Sou só eu?

1859 passou 2013 passará e ainda continuaremos aqui para te atormentar!

     E se este fosse um dos últimos textos que você lesse este ano na internet? ...ou nesta década? ...ou na vida? Seria em um tom de teoria conspiratória e anunciador profético de verdade absoluta se eu instigasse a pergunta "e se os Mais não estiverem errados?"? Eventos grandiosos possuem uma leve margem de erros, ainda mais quando previstos com tanta antecedência...
     Para polpar palavras, um vídeo mal legendado para vocês:


     Triste, não? Pessoas podem morrer e podemos retroceder décadas em evolução tecnológica... Mas convenhamos, você só pensou "E agora, como vou jogar meu pacman e baixar minha músicas e filmes ilegalmente? Tomará que não aconteça." É engraçado como a primeira instância somos tão egoístas.

     Ahhhh... querem saber? I don't care! Eu poderia dissertar aqui linhas e mais linhas de devaneios sobre o futuro e possíveis consequências geradas pelas consequências de tal tempestade solar, poderia ter postado isso há duas semanas atrás, falar que isso, retrocesso tecnológico, é bobagem, por inúmeros motivos, mas percebi enquanto eu começava a escrever que Eu não me importo!
     Não aguento mais conversa apocalípticas e de morte. No fim vai ser só um assunto para se postar em redes sociais e uparem; Padres, pastores e religiosos fanáticos indo as ruas vendendo o melhor paraíso e o jeito mais fácil de salvar sua alma; Pessoas idiotas falando YOLO e alguns outros idiotas mais requintados falando Carpe Diem; Além de mais Chattertons para eu ter que ouvir.
     Não vejo que valha apena mudar minha rotina só porque o mundo pode acabar (o que nisto inclui minha vida). Se você, digníssimo leitor, se preocupou desesperadamente com a notícia e com o que deve fazer agora, só posso dizer que você leva uma vida medíocre, miserável e mesquinha!
     Por que têm tanto medo das intermitências da morte? O que muito você ainda tem que fazer neste planeta que já não podia ter feito antes? Se não o fez foi por falta de vontade e determinação e não por tempo! Ninguém te impediu de fazer! Se houve empecilhos, foi você que se deixou reprimir diante a eles. Faltou lhe tempo? Conte-me mais como foi produtivo suas horas diante a televisão, redes sociais, sitcom, jogos e filmes de super heróis. 
     Você não está bem consigo mesmo e precisa de mais tempo? Relevou os clichês sobre não deixar para fazer amanhã o que pode fazer hoje? Sempre achou que o que há de mal, como acidentes mortais inesperados, acontecem somente com os outros e se reconforta com o pensamento de estar ciente de que sabe que pode acontecer com você, e esse saber irá, de algum, modo prevení-lo? Decidiu esperar porque achou que seria difícil demais fazer por agora e seria melhor daqui alguns anos quando tivesse dinheiro? Quantos projetos você já adiou com base nesse pensamento e que nem se lembra mais?
     Está convicto com todas as suas forças de que não vai morrer nestes próximos minutos, não é? Você já tem algum legado a deixar para aqueles que ficam? Ou prefere ser lembrado somente, e não mais que, por uma geração, quiçá duas, devido só a lembrança de seus amigos e parentes, os quais preferem não tocar no nome dos mortos mais que o necessário, para deixá-los descansar em paz.

Nem eu que já passei no vestibular... (a respeito dos 50% para cotas)


Agora vamos falar sobre as cotas. Essa semana pintou um projeto que, se completamente aprovado, determinaria (obrigaria) que toda universidade federal destinasse cinquenta por cento das suas vagas para as cotas. Hoje em dia, a UFG reserva vinte por cento de vagas para as cotas.

O nosso reitor (um cara legal, que inclusive recusou-se a cortar o ponto dos professores grevistas, indo contra a determinação do governo) manifestou-se a respeito do assunto: “Para chegarmos ao modelo que temos hoje na UFG, realizamos um ano e meio de debates na instituição, até amadurecermos a questão e definirmos a melhor modalidade de acesso às cotas”, afirmou Cull... quer dizer, Madureira.

Isso é um assunto delicado, obviamente. Até porque se trata de uma tentativa (mesmo com as falhas que tiver) de corrigir séculos de marginalização sofridos por alguns grupos étnicos e sociais brasileiros. Mas imagino que também há um consenso quando se diz que cotas são um paliativo. Deve-se melhorar o ensino público, deve-se realizar a reforma tributária, entre outras medidas mais concretas.

Concordo que cotas devem ser rigidamente reservadas para os estudantes de escolas públicas. Porque permitir que somente as famílias com recurso financeiro suficiente para preparar seus filhos em instituições particulares cursem o ensino superior público é perpetuar a abismal diferença social no país.

Mas a respeito da cota racial, aquela denominada “negros que cursaram ensino médio público”, já tenho minhas dúvidas. Isso pode muito bem ser ignorância minha. Vejam bem, reconheço que pode ser ignorância e peço gentilmente que, nesse caso, ela seja esclarecida por alguma mente mais iluminada. Discriminar (no sentido de selecionar) dentro dos alunos de escolas públicas aqueles de pele negra não seria uma espécie de racismo? Porque os ‘injustiçados e marginalizados’ são todos aqueles que não têm outra alternativa a não ser caminhar aos trancos e barrancos por anos no precário sistema público de educação. Essa cota racial não seria simplesmente dizer que, entre os injustiçados, há alguns com uma desvantagem extra, a de ser negro?

E convenhamos, essa política de obrigar que metade das vagas universitárias seja para cotas é uma maneira de fugir das reais responsabilidades. Um pensamento mais ou menos assim: Ah, nós não precisamos nos esforçar muito nessa cruzada de arrumar a educação básica; garantimos que muitos deles entrem na faculdade e pronto, não é isso que querem?

Estou aberto ao diálogo, meus caros.

Os acrobatas que já não pulam mais



A cortina vibrou.
Lá atrás do picadeiro estava escuro, mas Febo podia ver a sequência das mil cortinas que se abriram no mundo naquele dia. Podia ouvir o barulho dos tecidos correndo nos trilhos com violência, sofrendo da hipnose que emitiam mil estampas sendo arredadas para dar lugar a mil imagens aleatórias.
A cortina se abriu: a plateia estava cansada e bêbada demais para aplaudir alguém além da coleção de pierrôs anões que já haviam feito seu número mais cedo. Das tábuas suspensas, onde todo mundo estava sentado, vinham apenas burburinhos enfumaçados de cigarro para dizer bem-vindo ao Febo, entra aí e te apresenta, pula, balança e cai, porque viemos te ver morrer.
Ele não era o acrobata, era a bicha e todo mundo pensava assim quando o viam se esticar com seu macacão colado de dançarina de balé que não foi feita para brilhar na erudição de um teatro, só dentro duma sufocante tenda de um circo. Para sempre. Nômade e mal interpretado, para sempre.
Quando ele se apresenta nas alturas, na arquibancada os corações não param mais. Porque o tempo que aquilo tudo divertia acabara e hoje as jaulas que mantinham a monga e os elefantes estão mais vazias do que o estômago ulcerado do acrobata Febo e da turma inteira. O único mágico que viera com o talento na família estava preso por desrespeitar aquela lei protetora dos animais. Assim que o mágico tirou a revoada de pombas do ouvido, um cara qualquer com carteirinha de ambientalista carimbada com o certificado da hipocrisia levantou a voz e parou o show.
― But the show must go on, disse o mágico, no que o ambientalista se alterou e exigiu respeito, porque era parte do público e o público era respeitável, público! Mas que nada, foi preso mesmo assim. E o nome do mágico era Apolo, não que fosse regra o nome dos artistas daquele circo serem também de um deus grego, pois Apolo se trata de Febo e Febo equivale a Apolo, assim como Guilherme está para William e Job para Jó. Acontece que a lei da física que diz que peneira de buraco grande não segura água aplica-se também na questão da prisão de um mágico. Mágico não se prende, não senhor. Quem estava na jaula era um ventríloquo com tamanho de gente grande, que falava com o dom da fala que Apolo lhe dera. Ficara lá no canto onde se diz popularmente que o sol é quadrado enquanto o Apolo, gênio acima de mágico, voltara ao circo com a cara nova de alguém que precisa de uma nova identidade. E quando sua mãe, barbada que só, estendeu os braços para o filho que estava livre para desmistificar o mundo, mas voltava ao circo, como se fosse séssil ao mesmo tempo em que era nômade, ela disse:
― Apolo, venha cá, me dá um abraço. Ele disse:
― Não sou mais Apolo, não sou mais desnorteado. Tenho duas extremidades agora, mas o mágico ficou na cadeia. Vou balançar no trapézio e me virar do avesso, porque sou Febo, o acrobata! E todos se espantaram quando notaram que ele tinha levado isso tão seriamente a ponto de não querer mais passear com as mãos dadas às da mocinha de boca vermelha. Vermelhíssima! Ela usava o batom que ganhamos na batalha lambuzada contra a crosta dura das maçãs-do-amor. A menina era bonita, você pode vê-la na arquibancada todas as noites de espetáculo, mesmo nestes dias em que só resta a saudade daqueles outros dias em que ela passeava com Febo e eu não passeava com ninguém.
Ela queria dar um abraço no seu amorzinho, no seu lindo. Aquela roupa de bailarina que ele colocava provocava uma coceira entre suas pernas num lugar em que a malha da calça nunca teve etiqueta. Implorava para o menino que sua outra personalidade voltasse, mas ele dizia e repetia que Apolo e ele eram feito as torres gêmeas e negras num tabuleiro de xadrez, cada uma num polo. E foi assim que começou a queda do acrobata para o chão sem rede de segurança, pois a apaixonada, em seu desespero, foi contar ao ambientalista que na prisão não tinha mágico, tinha uma marionete em seu lugar.
Então, na noite em questão, em que a cortina vibra antes de abrir para a entrada de Febo e alguém no escuro da plateia o chama de bicha, ladrão e maconheiro, observamos que o homofóbico ali é só alguém magoado, é a menina da maçã-do-amor ao lado do protetor dos animais que já sabia da farsa toda, sabia que uma torre era a outra e que elas estavam fodidas. Iam cair, quem visse a cara do menino dentro do macacão saberia, ele estava exausto de não ser aplaudido. Pois subiu a escada, agarrou o balanço e pulou sem que houvesse mãos firmes do outro lado do abismo do trapézio.
Febo caiu, mas já não existia mais para pular de alegria quando seu corpo fez um estrondo no chão e seguiu-se a calmaria dos inúmeros corações silenciosos que pararam na arquibancada. Afinal, o show foi de tirar o fôlego e todos aplaudiram.

Narrativa retalhada 4/5

Peço desculpas pelo atraso da minha parte da história... Mas, enfim, aqui ela está!
Partes Anteriores: aqui!
*****

                ... Antes que pudesse terminar o raciocínio tudo estava nebuloso e desconexo, não havia desmaiado completamente, mas não conseguia pensar, não se conectavam as palavras e seus sentidos, me era extremamente difícil formular qualquer pensamento concreto que fosse. Por fim apago.
                Para logo depois acordar. Estava em uma sala, tinha a ligeira impressão desta pertencer aos fundos da livraria, mas de certeza só tinha a de estar vivo. E havia este homem, parecia homem, parecer e ser têm suas diferenças.
                _ Olá. – diz o homem.
                _ Oi. – respondi
                _ Então você é Grégore...
                _ Não sei.
                _ Mas acha que é?
                _ Acho que sim. E você, quem é e o que quer de mim?
                _ Meu nome é Eugênio.
                _ Eugênio!? Então é meu autor! Mas me disseram que eram vários...
                _ Eu sou Eugênio, não o Machado de Eugênio.
                _ ?
                Ele respira fundo  e me olha com impaciência. Então começa a dizer:
                _ Eu costumava ter um Machado, sabe? E não era um machado comum, era um machado único, singular, completamente diferente nos poderes em relação a um machado destes ordinários. E com este machado eu tinha meios para os fins, se é que você me entende. E então – ele perde a calma com que até então falava – ENTÃO VIERAM ESTES MISERÁVEIS, ESTA CORJA, ESTES MALDITOS! E furtaram meu machado, foram sorrateiros como ratos que invadem cozinhas durante a madrugada, vieram como covardes e lho pegaram pelas minhas costas! – então ele volta ao tom de antes. – Assim perdi meu machado, assim perdi meus meios. E agora fizeram você, uma experiência que deu errado, um aborto, por assim dizer. Uma pessoa presa a um livro, escrava da própria aparência, uma aberração.
                Me senti mal ouvindo estas últimas palavras, ele parecia ter percebido.
                _ Oh... então você não se lembra, não é? Você não sabe o que é nem como veio parar aqui, bem, eu te digo: Horrorizados com o equívoco criado, eles, estes que usam meu nome e meu machado como Alcunha, te jogaram fora, te deixaram para morrer abandonado na rua, vítima da deformidade que é, hoje, andar com um livro colado a si. Ou crê que as pessoas te veem bem? Andando por ai com um livro ligado a você? Não hoje, meu caro, nem antes, talvez. As pessoas em geral veem os livros como um mal necessário, se valem deles apenas quando é absolutamente impossível resolver qualquer coisa por outros meios, e ainda sim, na grande maioria dos casos,  só valem-se de livros técnicos e manuais... enfim, você é uma aberração.
                E eu estava chocado, fui posto em um mundo onde odeiam pessoas como eu, e fui posto por estes tais do Machado de Eugênio... então me lembro de algo importante:
                _ Mas e estes que agora me perseguem? O jogador de futebol com cabelo peculiar... aquele rei e aquele membro do clero?
              _ Meu caro, se tivesse lido o que tem escrito ai neste livro que é ligado ao seu umbigo, veria que a resposta é óbvia. É disto que estes pseudoescritores que te criaram vivem, de falar mal das coisas deste mundo, falam mal de um inocente padre que nada mais fez além de ensinar a palavra de Deus aos homens, fala mal deste humilde rei que rege seu povo e que o ama, e estes o amam reciprocamente, e atacam ainda um ídolo nacional como aquele jogador de futebol, alguém que nada mais faz a não ser mostrar suas habilidades para o deleite público. São uns calhordas da mais alta estirpe estes que roubaram meu machado. Só sabem maldizer os outros, só criticam e deturpam, alguns até já os têm como terroristas, são perigosos, subversivos, estúpidos também. E veja só você, são tão cruéis que te puseram a bomba nas mãos, no umbigo, mais precisamente, e te deixaram ai a ver navios.
                _ E o senhor, uma vez que não me entregou para meus caçadores, posso pressupor que me ajuda?
                _ Sim, ajudo pois acho um absurdo o que lhe fizeram, mas, também, pois tenho de reaver meu machado, tenho de trazê-lo de volta, de pegar o que me pertence e é de direito. E eles, tenha certeza de que, pelo que fizeram a mim e a ti, terão dos castigos o maior.
                ...
Pisc!k
To be continued

Saudades do controle de natalidade chinês


Houve (haverá) um garoto de quinze anos chamado Alex DeLarge cuja inclinação para o crime deixou (deixará) todos os agentes do estado e da sociedade atabalhoados. O reformatório, a prisão, a igreja e os políticos: ninguém conseguiu, por mais que tentassem (ou não), colocar o nosso amigo Alex de volta no caminho sociável. Nem as surras, as broncas, as cusparadas, a reclusão, a humilhação, a bíblia e a oração e nem a lavagem cerebral!
O problema é que os pais de Alex eram, perdoem-me P e M, estúpidos. Dois pequeno-burgueses trabalhadores alienados, ausentes e desinteressados no filho. E as pessoas se corrompem com muita facilidade, todos estamos apenas procurando motivos para desviar o olhar daquilo que não nos afeta a ponto de não poder ser ignorado. Alex voltava para casa (ah, que se danem as flexões temporais) no fim das madrugadas com os bolsos cheios de dinheiro e justificava aos pais que aquilo era fruto de ‘bicos’ que andava fazendo; dormia até tarde e faltava às aulas mentindo dores de cabeça. Os pais até desconfiavam, mas não pressionavam o filho.
O que são essas massas de criminosos no mundo contemporâneo? Há, por precária que seja, oportunidade de estudo e há vagas de trabalho, por braçal que seja. Não é a falta de opção o que leva esses jovens ao crime, pelo menos não no sentido puro da escassez de opções. Mas que opção dá para o filho o pai que o deixa na rua e bebe e não tem um grama de sensatez na cabeça?
E aqui chego ao cerne da minha intenção. Quem são esses jovens integrantes da escória da torcida organizada? Respondo: são frutos de gravidez adolescente, de pais desinteressados e despreparados (estúpidos, em suma).
Ainda dizem que a solução para o problema da criminalidade na juventude é diminuir a maioridade penal. As crianças jogadas em reformatórios (febens) não são, paradoxalmente, reformadas. Por que um adolescente inserido num meio ainda mais hostil, a cadeia, se recuperaria?
Que eles tenham mais escola e mais livros do que pedras de crack. Sei bem que essa é a mesma falácia de sempre: escolas e livros e blá blá. É o caminho e não é impossível.
Se bem que, refletindo profundamente, uma solução também viável seria realizar uma série de testes antes de autorizar um casal a ter um filho. Mas o nosso sistema precisa dos pobres e do superpopuloso mercado consumidor...

SOMA


                Se, algumas vezes, e estas não são poucas, nos perguntamos se a ficção inspira a realidade ou o contrário; talvez Aldous Huxley fosse um grande profeta ou criador de alegorias. Em Admirável Mundo Novo, obra literária de certo status, temos um mundo onde seres humanos são produzidos em laboratório com níveis intelectuais predeterminados, para atender a demanda de funções na sociedade. O sexo é uma das únicas atividades extras permitidas, e é inclusive encorajada, desde que com a maior rotatividade de parceiros quanto for possível; e há também o SOMA, uma droga produzida para entorpecer os viventes, para lhes fazer relaxados e passíveis a tudo e todos.  Não tendo vivido a época de produção do livro, nem em sua localidade espacial, não sei dizer se alegoria ou profecia, mas, em qualquer dos casos, a reflexão nos deixa boquiabertos. Vou pela segunda, profeta.
           Dir-se-ia, qualquer leitor do livro mais tocado emocional ou conscientemente, chocado; que o livro é bruto, que é perturbador, que é cruelmente genial, mas talvez poucos dissessem com real convicção, fora os sensacionalistas que pegam resenhas online para dizerem-se politizados, que a alegoria de Huxley representa o hoje. E a mim, e penso não ser da classe dos inteiramente alienados, é isso que é, um espelho fosco do contemporâneo. Um pouco jactancioso seria dizer que se compreende a fundo exatamente o que o escritor quis passar, a arte tem dessas coisas, a interpretação; principalmente quando vêm as discussões, daí parece haver permissão para uma queda livre em abstração. Mas creio que este livro, talvez pelo sucesso que fez e faz e pelos inúmeros estudos sofridos, já tem bem esclarecidos os intentos do autor. Não que isso desmereça a interpretação de alguém, tão pouco elimina a possibilidade deste papo de profecia ou alegoria ser apenas anedota e as páginas desta obra nada mais serem que um tiro no escuro que, por sorte, acertou a cabeça de alguns.
          Mas enfim, me parece cada vez mais que nos entorpecemos em SOMA e sexo descompromissado e nos esquecemos do inferno a nossa volta. Não sou dos defensores “da moral e dos bons costumes”. Mas essa moda instaurada, esse hábito da curtição, do apenas por farra e da exclusão dos relacionamentos nos leva a um caminho, cada vez menos intimidade, cada vez menos diálogos cotidiano, ou, se estes existirem, por mera fatalidade, estarão de início já buscando o fim, e terão a profundidade de pires em que se dá leite ao gato. E o soma, essa cultura do tudo muito rápido, do tudo para entreter, do tudo para passar o tempo, do tudo cada vez menos “pedante”... estes são os SOMAS, tudo feito para provocar o esvaziar da mente, tudo feito para não provocar nada no leitor, nada além do entorpecimento. É nesta reprodução de frases pífias, como: não tenho “saco” para isso, que filme chato, que música cansativa, que livro difícil... nisso caindo, abdicamos do nosso cerne, e assinamos o termo que diz, somos gado, gado e ferramenta, os que a isso não se rendem, e por alguma razão a grande maioria deve ser perversa – não que estes sejam onicientes, também são igualmente estúpidos e rendidos – nos controlarão e manusearão consoante a vontade, a vontade e o bolso. E nós, nós seguiremos, cordeiros que somos.

Quando o ônus não vale o bônus


                E o céu era, ele todo, cinza. Chovia fino e gelado, dessas chuvas de fazer molhar aquele que acha ela apenas garoa. E el contemplava os corpos, e eram muitos, pareciam milhares. “E mil cairão ao teu lado, e dez mil à tua direita”, “mas tu, desafortunado, tu continuaras de pé, tua desgraça será não ter morrido, pois todos lhe perguntarão ‘que é que se passou aquele dia, naquele lugar?’ e você terá de contar, com lágrimas nos olhos o sangue que viste e as mortes que contara”; o céu que era cinza e os rostos amigos que se mostravam apáticos, não vívidos, frios e mortos colados ao chão. Ao meu lado os tais polícias caminhavam, de armas empunhadas e frontes marmorificadas, verificando se os corpos ainda se mexiam, ocasionalmente, quando tal ocorria, rapidamente disparavam contra ele, como se o próprio representasse uma ameaça, ou como se o fizessem por deboche.
                O chão era lamacento, custoso de pisar, danoso aos sapatos. A casaca, apesar do frio, se mantinha debruçada sobre meu braço. A vontade era de ir embora, de sair daquele lugar, mas forçavam-no a ficar. Sentia uma agonia intensa por dentro, desabou chorando. Chorava desesperado, ele havia delatado os amigos, lhos havia delatado por uma ninharia, tal qual Judas, mas este ainda teve a sorte de achar uma árvore no caminho, esta que lhe propiciou suicidou levado a bom fim, mas não ele, ninguém sabia de seu feito, mas o que era o olhar inquisitório do outro em comparação à repulsa que seu próprio coração sente de ti? Nada. As lágrimas escorriam enquanto os polícias vasculhavam os corpos, ele se ajoelhou no chão, tocou em um pedaço de carne fria, ao virar o cadáver, percebe que conhecia aquele sujeito, e ao tocar nele mais uma vez, este retribui o toque, então ele percebe, para o agrave do desespero, que aquele ainda estava vivo.
                _ Você... você viveu... – sussurra o quase morto.
                Sem saber o que dizer, ele apenas chora, queria dizer algo, queria se desculpar, pedir perdão, mudar as coisas, mas nada sai, e, caso tivesse intencionado sair, pouco tempo também teria, uma vez que um polícia que ele não viu se aproximar finalizou com um tiro entre os olhos o devaneio do condenado. Sangue para na maçã do rosto do nosso covarde.
                Que culpa tinha ele? Eles já estariam massacrados de qualquer forma, naqueles tempos a repressão estava ainda maior, que mal havia em passar para o lado vencedor? Ele associava o benefício à antipatia que sentia por alguns membros do grupo e tinha o desenho perfeito na cabeça: dormir sem medo de não acordar, acordar sem medo de não passar fome, comer ser a perturbação de gente falando sobre o passado e como ele era bom, e poder deitar-se despreocupado de funções chatas e que só lhe toliam o potencial. CHEGA.
                Mas nunca tinha passado disso, nunca passara do roteiro, da conjectura, das suposições, dos devaneios. Até a briga, até o dia em que caçoaram dele e fizeram dele chacota, até aquele infeliz dia em que o líder do grupo se referiu a ele com um tom jactancioso e jocoso. Foi neste mesmo dia que, durante a noite – ou seria dia? Nesses tempos o céu era deveras comediante – ele se dirigiu ao lugar onde sabia poder vender o que tinha de reportes, e foi por isso bem pago. No outro dia não havia ninguém para contar histórias. Então se lembrou que não conhecia ninguém, não havia ninguém com quem curtir os louros da traição, nem para quem contar, nem quem lhe pudesse repreender, nada, ninguém. Eles pagaram a ele o combinado pela tarefa, mas só cédulas não trazem de volta certas coisas.
                E então voltamos ao presente, que é o início deste relato.

Quem é rico mora na praia


A corrupção é crônica e generalizada, como dizem por aí, no Brasil.

O engraçado é ver os que falam esse tipo de coisa se colocarem fora desse grupo corrupto. “Ah, claro, todo político é ladrão”; “Gente rica não tem escrúpulos e concentra toda a riqueza do país para o bem dos seus luxos enquanto há outros que morrem de fome”. Mas e se fosse você no lugar deles?

Se você fosse prefeito de uma pequena cidade e tivesse cinquenta vagas de contratados para preencher, pestanejaria antes de incluir um ou dois parentes seus? Pestanejaria também antes de favorecer razoavelmente a empresa de alguém próximo a você no contrato de serviços terceirizados? E, na hipótese de se lançar a nível federal, pensaria duas vezes antes de prometer um ou outro voto a favor de uma ou outra lei em busca de apoio de campanha eleitoral? Responda mental e sinceramente.

Se você fosse rico (não essa classe média que prega seus Apple stickers na testa, mas gente rica daquelas que é filha de ‘alguém’), dividiria suas posses com os necessitados? Menos ainda: hesitaria em especular imóveis (quando há tantos sem terra)? Hesitaria em demitir, enforcar salários, sonegar, fazer seu próprio lobby com políticos ambiciosos, tudo em nome da multiplicação da sua riqueza e do seu conforto? Responda da mesma forma que antes, por obséquio.

Que esteja claro o meu ponto aqui: não é uma apologia à “má conduta” ou uma tentativa de exonerar de culpa os que praticam tal. O objetivo é combater a hipocrisia e a exteriorização das responsabilidades.

Não são os políticos os corruptos do Brasil, são os brasileiros. Que me perdoem os puritanos, a aliança renovadora nacional, o candomblé, os anonymous, a causa monárquica da casa imperial, o fora Marconi e o sindicato dos flanelinhas de Goiânia: vocês são todos corruptos! O que lhes falta, às vezes, é a oportunidade.

A ciência

Texto de Rubem AlvesAdaptado:

"  O que é que as pessoas comuns pensam quando as palavras ciência ou cientista são mencionadas?
   As imagens mais comuns são: o gênio louco, que inventa coisas fantásticas; o tipo excêntrico, ex-cêntrico, fora do centro, manso, distraído; o indivíduo que pensa o tempo todo sobre fórmulas incompreensíveis ao comum dos mortais; alguém que fala com autoridade, que sabe sobre que está falando, a quem os outros devem ouvir e ... obedecer.
   Veja as imagens da ciência e do cientista que aparecem na televisão. Os agentes de propaganda não são bobos. Se eles usam tais imagens é porque eles sabem que elas são eficientes para desencadear decisões e comportamentos. É o que foi dito antes: cientista tem autoridade, sabe sobre o que está falando e os outros devem ouvi-lo e obedecê-lo. Daí que imagem de ciência e cientista pode e é usada para ajudar a vender cigarro. Veja, por exemplo, os novos tipos de cigarro, produzidos cientificamente. E os laboratórios, microscópios e cientistas de aventais imaculadamente brancos enchem os olhos e a cabeça dos telespectadores. E há cientistas que anunciam pasta de dente, remédios para caspa, varizes, e assim por diante. [Sei que os exemplos de cigarro não cabem mais a nossa realidade, mas a visão dele que é o mais relevante]
   O cientista virou um mito. E todo mito é perigoso, porque ele induz o comportamento e inibe o pensamento. Este é um dos resultados engraçados (e trágicos) da ciência.
   Antes de mais nada é necessário acabar com o mito de que o cientista é uma pessoa que pensa melhor do que as outras. O fato de uma pessoa ser muito boa para jogar xadrez não significa que ela seja mais inteligente do que os não-jogadores. Você pode ser um especialista em resolver quebra-cabeças. Isto não o torna mais capacitado na arte de pensar. Tocar piano (como tocar qualquer instrumento) é extremamente complicado. O pianista tem de dominar uma série de técnicas distintas – oitavas, sextas, terças, trinados, legatos, staccatos – e coordená-las, para que a execução ocorra de forma integrada e equilibrada. Imagine um pianista que resolva especializar-se (note bem esta palavra, um dos semideuses, mitos, ídolos da ciência!) na técnica dos trinados apenas. O que vai acontecer é que ele será capaz de fazer trinados como ninguém – só que ele não será capaz de executar nenhuma música. Cientistas são como pianistas que resolveram especializar-se numa técnica só. Imagine as várias divisões da ciência – física, química, biologia, psicologia, sociologia – como técnicas especializadas. No início pensava-se que tais especializações produziriam, miraculosamente, uma sinfonia. Isto não ocorreu. O que ocorre, freqüentemente, é que cada músico é surdo para o que os outros estão tocando. Físicos não entendem os sociólogos, que não sabem traduzir as afirmações dos biólogos, que por sua vez não compreendem a linguagem da economia, e assim por diante.
   O que eu desejo que você entenda é o seguinte: a ciência é uma especialização, um refinamento de potenciais comuns a todos. Quem usa um telescópio ou um microscópio vê coisas que não poderiam ser vistas a olho nu. Mas eles nada mais são que extensões do olho. Não são órgãos novos. São melhoramentos na capacidade de ver, comum a quase todas as pessoas. Um instrumento que fosse a melhoria de um sentido que não temos seria totalmente inútil, da mesma forma como telescópios e microscópios são inúteis para cegos. A ciência não é um órgão novo de conhecimento. A ciência é a hipertrofia de capacidades que todos têm. Isto pode ser bom, mas pode ser muito perigoso. Quanto maior a visão em profundidade, menor a visão em extensão. A tendência da especialização é conhecer cada vez mais de cada vez menos.
   [...] "
Trecho do livro Filosofia da Ciência.

Desafio "Narrativa Retalhada" - 3/5

Terceira parte do desafio Narrativa Retalhada
Dia 12 é com o Ian. Boa sorte!
Enjoy!
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      Por alguns milésimos de segundos fiquei paralisado como se nada mais importasse, me concentrei um pouco a busca de alguma lembrança — aquilo me parecia tão familiar —, mas os fortes passos em correria se aproximando me despertou do transe e me pus a correr novamente. Não sabia mais de o porquê estar correndo, talvez fosse até um medo irracional de minha parte fugir de uma multidão desesperada e tão determinada em me pegar. Como saber se é irracional? Quiça eu dê sorte de ver outra pessoa numa situação semelhante a minha, daí pergunto a ela. Aproveito e pergunto sobre medo do escuro também...
      ↔
      Tal pensamento se tornou irrelevante quando Grégore desceu uma rua extremamente inclinada. Passou por três mercadores ambulantes, que empurravam suas bancas de venda em direção contrária a de Grégore, os quais curvaram seus carrinhos para o lado, para ver a curiosa situação de um homem desnudo correndo em alta velocidade entre as ruas pela manhã, de forma a bloquear a estreita rua. Tendo a nudez lhes chocado mais que a aflição do "homem" ou mesmo a presença de um cordão umbilical, de forma distraída acabaram por barrar a comitiva que o perseguia.
      Com estes segundos extras que Trevor acabara de ganhar poderia ganhar distância e despistá-los. Percebendo isso Grégore dispara na frente gastando o último de seus fôlegos para garantir a vantagem, dobrando a primeira esquina em seu caminho.
      Não demorou mais que vinte segundos para que os mercadores liberassem o caminho, o grupo passasse se estreitando em uma fila indiana e retomassem a caçada, dobrando o mesmo quarteirão que a presa. Indo até o final da rua, onde ela acabava, o grupo se separou em dois, indo metade para a direita e a outra para a esquerda. Independente do rumo que tinha tomado Grégore, mesmo com a vantagem, ele provavelmente seria pego, já que membros da guarda-real e jogadores de futebol tem uma boa resistência física e ele já estava bastante cansado.
      No entanto, se ele seria pego, não seria por agora, pois naquele momento em que Trevor tinha virado aquela esquina, havia avistado uma árvore na calçada e imediatamente decidira se esconder em sua copa, em meio a folhagem, colocando o livro na boca e a escalando, pois já não aguentava mais correr. Com sorte ninguém o notou lá em cima.
      ↔
      Quando todos já haviam sumido de meu horizonte e eu fazia menção de descer, vi um vigia noturno vindo pelo mesma esquina que vim. Parando exatamente em baixo da árvore, temi que ele também estivesse me perseguindo e que havia me visto, porém ele só havia parado para pegar seu molho de chaves, pois a casa da frente era sua. Entretanto ao entrar uma curiosa cena aconteceu: Pela janela saiu um homem pelado e aparentemente armado, mas não consegui ver direito de onde eu estava. Saiu com suas roupas em mãos desesperado e apressado, mas ao mesmo tempo sorrateiro, e rapidamente sumiu de minhas vistas também.
      Ao descer percebi que em baixo da janela o homem havia deixado um sobretudo marrom e um estiloso chapéu que combinavam em cor, os quais acabei me apossando. Ajeitei o livro cuidadoso e discretamente num dos bolsos internos e caminhei apressado por uma rota desconhecida.
      Ainda estava com fome, com dor, com sede, com fome e com vontade de ir ao banheiro e vendo ao longe uma Panificadora & Lanchonete fui em sua direção, mas por algum motivo primitivo meu junto a um movimente involuntário entrei em uma livraria que se tinha um pouco antes.
      Ao entrar o dono sugeriu que eu deixasse o casaco na entrada, mas expliquei que seria breve, perguntando se ele me poderia ceder o banheiro para utilizar. Com simpatia ele me indicou o caminho. Contudo parei no meio do caminho e vi um livro que me chamou a atenção. Não sei ao certo o que me chamou a atenção, não tinha uma capa nada bonita, parecia ser velho e nem tinha um título interessante, estava num canto esquecido, comum aos livros de terceira mão.
      Abri-o e comecei a ler freneticamente, as páginas discorriam entre meus dedos com naturalidade me contando segredos e histórias, e eu ia adquirindo animação, força e vitalidade, me saciando a cada virar de páginas, de forma a esquecer as necessidades primárias do corpo, simplesmente não precisavam mais ser atendidas, mas ainda sim fui ao banheiro.
      Olhei no espelho pela primeira vez e não reconhecia o rosto que visualizava. Percebi uma notória tatuagem do lado esquerdo do meu rosto que começava acima de minha sobrancelha ia até a orelha e havia duas ramificações que desciam, uma para baixo do meu olho e outra para bochecha. Definitivamente eram palavras, mas o que estava escrito e em que idioma eu não saberia dizer.
      Aproveitei o momento sozinho, abaixei a tampa do vazo e me sentei. Enfiei a mão no bolso do casaco, afim de ler finalmente o livro, e senti um objeto estranho: era papel, volumoso, porém pequeno. 'Será que estou sugando o livro pelo meu cordão umbilical, me alimentando dele para poder existir e fazendo ele encolher?' Senti muito medo de não poder ler a única esperança que poderia devolver toda minha memória e explicar minha existência.
      Ao trazer para meu campo de visão vi que se tratava de um masso de notas de dinheiro. Só então me dei conta que era o bolso errado. Devolvi o dinheiro ao seu esconderijo e destinei minha mão ao bolso certo.
      Não obtive sucesso, pois inesperadamente ouvi um barulho extremamente alto, como se algo supersônico estivesse quebrando a barreira do som do meu lado, e quando percebi já estava junto ao chão. Saí para ver o que era, mas estranhamente as pessoas se comportavam como se nada houvesse acontecido. Muitos livros estavam agora no chão, mas ninguém mostrava nenhuma reação.
      — O que houve?
      — O que houve onde?
      — Este barulho e este tremor?
      — Do que está falando? Você tem labirintite?
      — Hmm... Não que eu saiba. O que labirintite tem haver com tudo isto?
      — Não sei exatamente, mas labirintite não tem algo haver com o ouvido interno e com tonturas? Talvez tenha e não saiba, já que está falando sobre o chão mexer e ouvir coisas.
      — Mas se é coisa da minha cabeça, como é que você me explica estes livros aí no chão?
      — Meu Deus o que aconteceu? Não estavam assim a um segundo atrás. Como aconteceu alguma coisa e eu não percebi nada? Será que este lugar é amaldiçoado? Fantasmas? — entrando em um estado de choque ele então fechou os olhos por alguns segundos e recuperou a calma.
      Diante desta situação assaz bizarra me dirigi a saída, parando rente a porta de vidro. Girei 180 graus e perguntei:
      — O senhor já ouviu falar de algum escritor chamado Machado de Eugênio?
      Após uma longa pausa.
      — Não é um escritor, é um grupo de escritores. Curiosamente conheço-os, apesar de não serem famosos ainda. Possuem interessantes escritos. Muito bons por sinal. Recomendo!
      — Sabe onde posso encontrá-los?
      — Na verdade não. Conheço só seus livros. Deixe-me pegar um para ver se tem algo sobre os autores em alguma contracapa.
      — Antes de ir poderia me arranjar algum calçado?
      — O que aconteceu com os seus?
      — Devo tê-los perdido ontem a noite.
      — Infelizmente só tenho livros nesta velha loja, que por sinal é assombrada. Mas qualquer coisa tem uma loja de calçados a uns 50 metros daqui, logo depois da lanchonete. Me espere aqui, vou pegar o livro, volto já.
      Então um intenso brilho clareou o céu. Saí lá fora para ver o que era. Aparentemente só eu notei novamente. Vi no céu um rastro de fumaça, como se mostrasse a trajetória de um objeto em queda. Não dei mais que três passos para fora da loja e vi aquele rei e o padre que me perseguiam. Por sorte não me viram, estavam de costas.
      Tentei agilmente voltar para a livraria antes que algum deles me vissem, mas antes que eu pudesse mover algum músculo, alguém por de trás de mim colocou um lenço em meu nariz e boca, pressionando contra minha face assiduamente.
      Senti um cheiro doce vindo do lenço e então desmaiei. Mas antes de apagar totalmente, senti que estava sendo arrastado de volta para a livraria. Foi quando então lembrei-me de uma coisa de quando eu ainda era objeto.
       ...
Алиссон P

Os 100 maiores... dos quinze minutos?


                Um ilustríssimo leitor, que atende pelo pseudônimo “Oxiurus”, pediu que nós do Machado redigíssemos um texto falando sobre a célebre eleição dos cem maiores brasileiros DA HISTÓRIA desta nação, evento promovido pelo SBT, no qual o júri foi ninguém menos que o Povo. Faz certo tempo desde minha última redação acerca de temas cotidianos concretos, então achei a ideia bastante interessante e agradeço ao “Oxiurus” por ela.
                Os cem maiores ainda não são cem de fato, pois os 12 primeiros colocados deste seleto grupo ainda não foram revelados. Mas pelos outros 87 nós já podemos ter uma noção da credibilidade desta lista. Como disse acima, apreciei bastante a sugestão do “Oxiurus”, mas não sei porque raios esta lista está causando tamanha estupefação em algumas pessoas. Foi dito, o povo seria jurado, esperar de um país onde cultura e educação são sinônimos de vergonha uma postura sensata nesse tipo de votação é ingenuidade. A lista é preocupante, mas é a mesma preocupação de sempre, e que, a meu ver, se resume nisso, falta de educação e cultura. Não vou especular culpados nem conjecturar muito sobre isso... já é assunto de argumentos e opiniões batidas, aqui no blog já temos um sem fim de textos sobre o tema, basta buscar.
                A nossa ilustríssima; e muito providencial, diga-se de passagem; paixão pelo futebol faz com que, até agora, a lista já conte com 11 jogadores. Eu não preciso dizer, é motivo de riso (e riso de desespero) ver Ronaldo Nazário na frente de Machado de Assis, Carlos Chagas, Oswald Cruz e diversos outros... Não digo que ele não foi importante, mas nem de longe estaria ai... Nem mesmo figuras que eu respeito muito, como o Jô Soares, acho que integram título tão severo.
                Já pararam para analisar a gravidade do título? Colocarei em caixa alta: OS 100 MAIORES BRASILEIROS DE TODOS OS TEMPOS. Os MAIORES de TODOS os TEMPOS. Só existem duas explicações, ou o brasileiro não sabe que seu país tem 500 anos de história, ou achou que era época de eleição, daí esses votos fariam todo sentido. Até atriz de rebelde foi para na lista DOS 100 MAIORES BRASILEIROS DE TODOS OS TEMPOS.
                Mas é isso, não deveria ser surpresa para ninguém, vindo do mesmo povo que, durante investigações de escândalos de corrupção, se propõe a apontar “musas” de CPIs. Faz todo sentido, não estou surpreso, é o mesmo mais de mesmo de sempre. Não se iluda, pobre leitor, a parcela popular que faturou a lista, a parcela que colocou Neymar na frente de Herbert de Souza e Carlos Drummond de Andrade, que colocou o Pe. Marcelo Rossi na frente de Luís Carlos Prestes, que colocou Fernando Collor de Melo na LISTA DOS 100 MAIORES BRASILEIROS DE TODOS OS TEMPOS! É a parcela majoritária. Você, leitor, se  discorda deles, é só a minoria, e bem minoritária, se me permite dizer.
                    Sem falar de: Joelma, Datena, Luan Santana e diversos outros nomes que eu não vou citar para preservar a integridade do meu teclado. Quer saber? Acessa ai: