Conjecturas sobre a velhice

Dê o play, ato contínuo, leia...
                Ficar velho, inevitável fato que a todos assola e que a todos causa medo, fato inerente, escusado dizer, ao homem e a todos os seres viventes (salvo alguns unicelulares, mas estes nem ciência de si devem ter). A perda gradual e, pior, perceptivelmente diária das qualidades físicas, tanto as estéticas quanto as mecânicas; começa-se a perder a graxa dos joelhos, e também as pregas da cara; o andar passa a ser penoso, a cabeça passa pelo degradê que é intermediado pelo cinza até findar em prateado, salvo os mais desesperados, estes que passam mil e um tons de pintura para maquiar e esconder a silvura dos pelos que cobrem a capa do crânio.
                E ai residem os pesadelos da grande parte de nós, humanos, que vivemos neste mundo que cultua a pele esticada, o cabelo liso e colorido e a capacidade de usar calçados e roupas desconfortáveis por mais tempo do que seria medicinalmente aconselhado.
                Mas existe um outro drama, que acredito também estar no imaginário de todos nós, mesmo que em caráter secundário; que para mim é justamente primário; que é a perda das faculdades mentais. Estas que também começam e passam de maneira gradual e perceptível pela esteira do tempo; o natural estranhamento que passamos a ter com as tecnologias que vêm; a gradual dificuldade em assimilar qualquer coisa nova; a natural lentidão para os cálculos de cabeça; e a natural atenuação da resposta rápida, da capacidade da frase feita. E isto, antes da barriga grande e da careca, isto sim me tira o sono.
                Percebam, por mais que nos esforcemos, e não estou dizendo que manter uma vida saudável e ativa é inútil, mas estamos todos sujeitos ao carma biológico dos genes, estes que podem muitas vezes serem impiedosos conosco na tão dita “melhor idade”.
                Falamo-nos, eu e o Marco, outro dia sobre isso; sobre aquela vó – que você leitor também deve ter – aquela que agora já voltou a ser portar como uma criança, muitas vezes até ingênua, aquela sua vó que solta coisas que não devia nas reuniões de família, que passa a depender mais e mais das boas vontades familiares, aquela senhora ou senhor; pode ser um avô também; que já não consegue mais compreender na totalidade do necessário as notícias que o âncora do jornal do horário nobre tão polidamente passa para nós pela tela da tevê.
                Isso me tira das nuvens que são os sonhos, ver-me no futuro a sombra de tudo aquilo que já fui um dia; pois a aparência tem seu benefício, mas: Primeiro, existem aqueles velhos que adquirem o charme do tempo, e, também, é algo que não me parece tão relevante assim vis-à-vis a incapacidade de tratar de assuntos antes tão vivos em sua língua, assuntos estes que se desvencilharam do seu poder, não só pela perda de raciocínio, coisa da qual nem mesmo o mais agraciado de nós está isento, mas também do natural curso do mundo, que já mudou tanto no decorrer da sua vida que você não pode mais acompanhá-lo, ficando a quem do cotidiano, das decisões importantes, das análises de botequim, do trabalho intelectual...
                Você envelheceu... Que eu possa terminar como um Saramago, ciente, ativo intelectualmente, capaz de argumentar e de conjecturar lucidamente sobre a vida e sobre as coisas.
                Claro que há o benefício da senilidade que é justamente não saber que se está senil, mas não quero este segundo prêmio barato. Que me seja permitido um pouco mais que isso, que eu possa morrer tendo plena ciência de minha morte, ou pelo menos vivendo o último dia de minha vida conseguindo escrever textos melhores dos que eu escrevo para este blog.
                Que eu perca as feições que hoje me distinguem, mas que eu não perca as feições marcantes da fala, da escrita, da capacidade de pensar e de emitir ideias; que eu termine meus dias não podendo andar sem o auxílio de uma bengala, mas que não precise de alguém para digerir para mim a notícia que está passando no jornal.

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