O dilema vem da óptica


                Seria admirável se o homem conseguisse discernir bem antes do julgamento de qualquer evento, cotidiano ou extraordinário que fosse, e não só seria admirável como também eliminaria uma boa parte das dores de cabeça que temos. Pegue por exemplo o julgar da ação alheia, estamos muito mais propensos a culpar um terceiro por seus desleixos ou deslizes, mas quando este terceiro é um dos nossos, digo amigo ou familiar que estimamos, daí a conversa é outra, daí tal desleixo, mazela do comportamento do sujeito, toma um caráter muito mais ameno, em alguns casos transforma-se até em um certo “charme”. Pegue por exemplo uma mãe que tem dois filhos, um deles excepcional nos estudos, o outro nem tanto. A atitude da mãe, se protetora, é acobertar este segundo, e para isso vale-se de subterfúgios diversos: “cada um é cada um, somos todos diferentes”, “ele é de um jeito, o irmão é de outro”, “ele não gosta tanto de ler, mas tem muito empenho com os esportes!”; e coisas  assim, quando em qualquer outra criança a atitude seria no mínimo motivo de comentários. O mesmo vale para um desleixo adolescente deveras comum, a desordem, a bagunça, a baderna, a falta de asseio, chame como lhe apetecer.  Esta atitude que acusamos com o dedo erguido e apoiado ainda por uma língua ávida por descarregar censuras diversas, mas conosco ou mesmo com os filhos, estes são os que sempre tem o benefício das asas da mãe, ai não há problema... são tão fofuchinhos...
                Mas a mim o pior são os julgamentos que se baseiam na intuição misteriosa, mágica, da antipatia ou da queda de braço, daí a crítica, que é muitas vezes irracional ou pretensiosa, vira leitmotiv da vida daquele que se sente no direito de vociferar mil e um desaforos, que para ele são verdades... ou, ao menos, ele tenta se convencer disso.
                Somos contaminados pelo rancor leve da incompatibilidade gratuita; parece até que, quando infectos deste mal, nos tornamos insuportavelmente difíceis de ceder, de sermos mais amigáveis ou tolerantes; até mesmo com coisas que nem ligamos tanto, mas que parecem razão dos mais severos ataques quando feitas ou executadas por pessoas das quais não gostamos, ou com as quais temos motivos, válidos ou não, para estarmos desgostosos...
                E disso advém, espero ter sido compreendido, a hipótese de que a culpa, o dilema, o desconforto, vem muito mais da óptica que aplicamos aos eventos do que dos eventos em si.

3 comentários:

  1. "dois filhos, um deles excepcional nos estudos, o outro nem tanto"... kkkkk

    ResponderExcluir
  2. "dois filhos, um deles excepcional nos estudos, o outro nem tanto"
    É exatamente assim aqui em casa! Eu sou o que estuda, é claro!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. rsrsrsrs, não me admira que seja o que acesse o Machado de Eugênio também... XD

      Excluir