Ato I Cena 3

     Ela acordou assustada, mesmo tendo sido acordada carinhosamente por seu marido. Se recuperou da fadiga causada pelo sonho não recordável e reparou que uma bandeja-de-café-da-manhã-na-cama estava a sua espera. Um "bom dia" grave, mas calmo, e acompanhado de um sorriso, fez seu tímpano vibrar.
     Houve uma resposta sonolenta misturado ao ar de um bocejo incontido, e naquele momento ela percebeu que não conseguiria agir como numa atuação duma atriz de novela, que acordam sempre bem despertas, sem remelas nos olhos, de caras limpas, maquiadas e de bexigas vazias.
     Pediu uma mal humorada licença, aparentemente repentina, deixando seu marido meio desconcertado; mas ele a compreendeu parcialmente, o suficiente para não se deixar abalar. Naquele momento ele refletiu sobre a situação e pensou que provavelmente ele também não conseguiria despertar e comer algo sem uma idinha rápida no banheiro.
     Enquanto lavava o rosto, ela sentiu uma pontada de ódio daquela bandeja(-de-café-da-manhã-na-cama), que provavelmente teria sido comprada por um preço altíssimo (já que aquilo era um item de pouquíssima utilidade para o dia-a-dia e que só servia para satisfazer desejos luxuriosos) e seria usada naquela única ocasião para, praticamente, nunca mais ser retirada do lugar em que guardariam-na, ocupando um espaço inutilmente. "Afinal, que ocasião mesmo requeria uma bandeja daquela?". Terminou o que precisava fazer no banheiro e saiu forçando um pequeno sorriso no rosto.
     — Que surpresa agradável amor. Pegou-me desprevenida. Há que devo a grande honra de um café-da-manhã na cama?
     — É nosso aniversário de namoro, sua tolinha.
     — Nossa. Esqueci completamente.
     — Tudo bem. Sou eu quem sempre esqueço mesmo. Isto é para compensar todas as vezes que eu esqueci.
     — Obrigada. Realmente não precisava. Este dia é tão seu quanto meu.
     — Eu sei. Por isto mesmo que comprei, para hoje a noite, dois ingressos para vermos aquela peça teatral que tanto queríamos.   Você vai ter que faltar o trabalho hoje por motivos de força maior..!
     — E com prazer!
        ...
     Caindo então no prazer, um nas caricias do outro, curtiram aquela manhã intensamente, se fartando, ambos, daquele café-da-manhã após ato. Só então ela reconheceu as maravilhas de ter uma bandeja de cama e teve a certeza de que não era um item para se ficar guardado juntando poeira. "Que se dane o preço que isto custou. Vai valer cada centavo!".

     Já no anfiteatro, o relógio marcava o horário de início da peça indicado no ingresso, mas como de costume, as companhias tem o terrível hábito, nada educado, de esperar mais meia hora antes de realmente entrarem ao palco, sempre com a péssima desculpa de que é para esperar mais gente chegar. Se eles não vão ser pontuais, porque sua plateia deveria? Respeito gera respeito... Além do mais, eles não ganhariam nem menos nem mais por apresentarem na hora ou depois, já que os ingressos são comprados antecipadamente.
     Todavia, tais pequenos inconvenientes nem chegaram a percepção daquele feliz casal, que para eles tudo estava perfeito. Exceto quando um sujeito, com o rosto encoberto, subiu ao palco e anunciou um assalto, mostrando que em cada porta de saída haviam mais de seus semelhantes aos pares. Isso por se só já era bastante pertubação para uma noite, porém não há situação que não possa ficar pior: Atrás da cortina um assistente de palco que está sendo abordado por um dos assaltantes derruba um candelabro, parte do cenário, na tapeçaria e começa um incêndio que avançava rapidamente e que era não contido (devido as ações limitadas que os reféns possuíam).
     A falta de reação e a indecisão dos assaltantes diante do caso, fez chegar a situação de insustentabilidade do assalto. Ou todos ficariam presos ali repassando seus pertences enquanto eram cercados pelo fogo ou o assalto acabava e todos fugiriam do lugar. Neste momento, o sujeito que estava no palco respirou fundo e disse calmamente:
     — Senhoras e senhores, obrigado por participar deste assalto mal sucedido. Por favor, levantasse e saiam em pânico e desordenadamente pelas saídas que estão atrás de vocês. Pois se algum momento da sua vida é para se deixar tomar por estes sentimentos, uma boa hora é agora. Tenham uma boa noite.
     Por medo ou por choque para com relação aos acontecimentos, como numa psicologia reversa, todos, incrivelmente, se levantaram e saíram calma e ordenadamente em fila.
     ...Até, claro, o fogo afugentar os residentes do teatro e alguém gritar "RATOOOOO" de um lado e "BARATAAAA" do outro...
     E assim o mundo reinou em caos e destruição até o cair do sono.

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